CAPÍTULO
OITO
Divididos
Semanas,
meses,
anos passaram.
Francisca
observava-os
ao
sentir
o
ambiente
cada
vez
mais
pesado.
Via-se
na
obrigação
de aguentar
tudo
aquilo,
pois
fora
ela
própria
a
tomar
a
decisão
de
ir
para
aquele
lar.
Por
vezes
refugiava-se
do
ambiente
barulhento,
que
se
tornava
cada
vez
mais
insuportável.
Francisca
estava
bem
consciente
de
que
ninguém
tinha
culpa,
apenas
o
destino...
E
essa
era
a
tarefa,
mais
difícil
de
suportar.
A
convivência
entre
os
residentes
fazia
crescer
a
amizade
e
o
carinho
entre
alguns
deles.
Francisca,
que não era
exceção,
tinha
algumas
amizades
mais
íntimas,
embora
respeitasse
a todos,
cada
um
no
seu
lugar.
Somos
todos
diferentes,
mas
também
todos
iguais
e só o respeito pelos outros pode fazer valer esta premissa.
Sempre
que
via
algum
dos
residentes
meter-
se
à
frente
da
sua
cadeira
de
rodas,
ela
tentava
desviar-se.
Fazia
os
possíveis
para
não
ir
contra
ninguém,
mas, por
vezes,
não
o
fazia a
tempo,
então
riam-se,
como
crianças
que
eram,
ainda que apenas mentalmente.
De
vez
em
quando
chateava-se,
mas
logo
se
mentalizava
de
que
não
valia
a
pena,
pois
de
nada
adiantaria.
Antes
pelo
contrário,
se
lhes
chamasse
a
atenção
sobre
algo,
ainda
os
deixava
mais
revoltados.
Alguns deles
poderiam
até, eventualmente, deixar
a
sua
revolta
falar
mais
alto.
Talvez essa
fosse mais uma
injustiça
da
vida,
ou
do
destino.
Francisca
dizia
que
Deus
dividiu
cada
ser
humano
em
dois,
dando
a
perfeição
motora
a
uns,
e
a
perfeição
mental
a
outros...
Embora
soubesse
que não existe ninguém
perfeito
e que noção de perfeição é muito subjetiva.
Pensava
que o
mundo
precisava
de
pessoas
e que,
no
fundo,
tudo
o
que
fazia
falta
era
a
quantidade
e
não
a
qualidade…
mas teria
de ser
assim…?
Perguntava-se
ela,
muitas vezes, dececionada.
Francisca
esperava
algo, sem
saber
o
quê.
Padecia,
sem
saber
por
que
razão.
Não
encontrava
um
sentido
justo
para
aquela
injustiça.
Muitas
vezes
vivia
sem
interesse,
vivia
apenas
porque
tinha
de
viver.
Sentia
a
obrigação
bater-lhe
à
porta,
e,
completamente
desesperada,
abria-a
estando
certa
que
a
vida
era
uma
longa
espera.
Apesar
de
tudo,
sentia que
valia
a
pena
viver
e
esperar,
mas
principalmente
saber
e
poder
viver
a vida.
Era
esse
o
verdadeiro
motivo
de
ela
continuar
a
batalhar
contra
aquele
desgosto.
Teria
de
conquistar
forças
para
não
se
deixar
afundar,
como
já
acontecera
tantas
outras
vezes,
quando era invadida pelas
ondas
do
pessimismo.
Francisca
resistia
sempre
e
tentava
acompanhar
a
certeza
de
um
amanhã
melhorado.
Pensava
que
tinha
de
conseguir
sair
dali,
que não
podia
desistir
da
felicidade,
ainda
que estivesse naquele estado. Ouvia
a
voz
do
silêncio
do
seu
coração.
Tentava
encontrar
razões justas nas
injustiças
que
via,
onde
tantos
pagavam
pelos
erros
de
outros,
onde
tudo
o
que via lhe parecia
injusto!
Um
local onde,
infelizmente,
a
saúde
se
recusara
a
habitar.
Muitas
vezes,
reparava
que
a
vontade
que
a
fizera
brotar
para a vida murchava,
e
ela
nada
podia fazer.
Depois, deixava-a
desfalecer
e
seguir
caminho.
Talvez
ela
voltasse
com
a
felicidade,
dizia-lhe
muitas vezes a
sua
voz
interior.
Francisca
pensava ser essa
a
razão
do
seu
maior
sofrimento:
o
facto
de
continuar
a
manter
a
mente
totalmente
lúcida,
um
pensamento
que
a
desiludia
bastante,
por
esse
mesmo
motivo.
Os
sentimentos
eram
a
única
coisa
que
realmente
lhe
pertenciam
e
a
prendiam
à
vida,
algo
que
ela
fazia
intenção
de
continuar
a
preservar.
Em
muitas
ocasiões,
perguntava-se
a
si
própria
se
não
seria
mais
fácil
suportar
a
vida
ficando
perdida
no
tempo
e
alheia
o
mundo
que
a rodeia,
como
acontecia
com
muitos
outros
que apenas viviam
num
mundo
inventado
e
construído
por si
mesmos.
Viver com
uma
doença
não
apenas
física,
mas
também
mental, de quem vive sem tempo
nem
medida,
sem
dores,
sem prazeres,
sem
emoções
e sem
fracassos.
Talvez
fosse
mais
fácil
conquistar
a felicidade
nessa condição: vivendo no
estado
em
que
muitos
se
encontram,
num
mundo
emprestado
à
realidade,
unicamente
habitado
por
felicidades,
sonhos
e
fantasias.
Mais
uma vez, Francisca era invadida por questões existenciais… seria
esse
o
recheio
da vida… sem
objetivos
nem
esperas?
Seria
o
imprevisto
unicamente
constituído
por
coincidências?
Sabia que pelo menos a
sua
felicidade
podia
ser
trabalhada
em
cima
de
coisas simples,
mas não ocas.
Tentava
achar
uma
solução
para
não
ser
tão
pessimista,
pois
isso
nunca
a
levaria
a
lugar
algum.
Eram
essas
dúvidas,
quase
sempre
dificílimas,
que
a faziam tentar
entender
as
necessidades
do
dia-a-dia,
onde
outros
nem
sequer
tentavam
perceber
as
pequenas
“grandes”
diferenças.
O
que
para
a
maioria
dos
utentes
era
uma enorme
dificuldade,
para
outros
era
apenas
algo
aceitável.
Francisca
concordava
plenamente
com
uma
pessoa
que
costumava
dizer:
-
Cada
um
é
como
é!
Aturar
canalha
maluca,
não…
já
não
tenho
idade
para
isso!
Estou
farta!
Comentava,
sempre
que
se
sentia
revoltada,
talvez
só
com
ela
mesma,
por
se
encontrar
num
sítio
daqueles,
ou
porque,
de
vez
em
quando,
caía
nas
malhas
da
sua
lucidez
e
lembrava-se
de
tudo
o
que
podia
fazer
ainda,
ou
talvez
no
que
fez
e
não
volta
mais...