Como prometido aqui fica mais uma parte do meu livro
Pensamento
voador
As férias de Verão
regressaram e Frederica aceitou ir, mais uma vez para casa da sua irmã Júlia.
Para assim aliviar um pouco a sua mãe e o seu pensamento. A sua irmã estava
grávida de quase cinco meses e assim juntava o útil ao agradável.
Uma tarde, ao regressar da habitual consulta de planeamento
familiar, Júlia entrou em casa com o rosto banhado numa completa tristeza, as
lágrimas brotavam-lhe dos olhos. Ao vê-la assim, com a infelicidade bem visível
no rosto, Frederica abordou-a, receando passar-se alguma coisa com o bebé.
- Sim, ele esta ótimo, por enquanto… - Disse ela com uma voz
duvidosa.
- Então, o que se passa? Se dizes por enquanto, algo aconteceu… o
que foi? – Insistiu.
- O médico! - Disse Júlia, entre soluços. Depois, puxou uma
cadeira e, com algum custo, sentou-se. Primeiro olhou para a irmã que estava
perplexa e expectante.
- Ele encontrou-me alguma coisa, eu vi no olhar dele, eu notei
algo de anormal!
Frederica sem saber o que pensar, não disse nada e continuou a
ouvi-la.
- Eu insisti e pedi-lhe para ele me dizer alguma coisa mais, eu
precisava saber, mas ele só me disse para ter calma. Achas que eu poderia ter
calma? - Indignada, continuou o seu relatório.
- Eu imagino o que possa ser e tenho tanto medo… só de pensar
nisso fico desesperada. Mandou-me ir lá novamente amanhã, acompanhada pelo meu
marido - o Zé - para conversarmos melhor.
Júlia tentou sorrir, mas o seu rosto continuava murcho, tal e qual
um dia nublado, onde o sol queria espreitar, mas as nuvens escuras sobressaiam.
- Não vai ser nada, tu vais ver! Os enganos acontecem, não fiques
assim! - Disse-lhe Frederica, tentando acalmá-la, quando nem ela própria estava
tranquila.
- Pois… falar é tão fácil. Tenho medo sim!
Júlia, depois de olhar
para a sua irmã e com lágrimas nos olhos, ficou mais pensativa e continuou:
- Sim acho que sei! Por isso tenho andado a fazer tantos exames! Confirmou
ela.
- Tem calma por agora, sim? Amanhã logo saberás o resultado! -
Respondeu Frederica, disfarçando o receio de qua a irmã estivesse certa.
- Que remédio! - Afirmou ela, respirando fundo.
O quarto de Frederica estava silencioso e banhado pela luz do
luar, que entrava pela janela adentro e o iluminava, completamente. A noite
estava quente e calma e ela olhava, ora para o vazio repleto de luar, ora para
a lua que o oferecia à noite. De janela aberta, ela implorava a si mesma um
sinal, como se alguém a ouvisse. Talvez o luar trouxesse algo de mágico e a
aconselhasse em silêncio:
- Oh, não, não pode ser, Meu Deus, faz com que isto não passe de
um engano! Não deixes que a mesma tragédia nos aconteça, logo às duas!
Frederica murmurava no silêncio da noite, ora orava ora implorava
com os olhos cheios de lágrimas… mas a quem?... Talvez à calmaria da noite,
talvez nela existisse alguém que a ouvisse. Permaneceu assim uns longos
minutos, até que o sono a levou para um mundo melhor, ilusório e maravilhoso.
Foi um sonho lindo, mas pequenino, pois dormiu pouco. Sonhou que
passeava num jardim fascinante, com um bebé recém-nascido, nos braços.
Frederica pensava que só poderia ser o bebé da irmã, como um sinal positivo do
futuro que se aproximava.
No dia seguinte, logo pela manhã, Frederica e Júlia conversaram e
Júlia contou-lhe a conversa que tivera com o marido, José. Apesar de tudo, ele
fazia questão em acompanhá-la.
- Mas ele não foi trabalhar?
- Foi sim, mas só de manhã. Vem almoçar a casa e fica… para ir comigo!
- Ah, assim é melhor! - Comentou Frederica com um breve sorriso de
satisfação.
- Pois… mas sabes que ele já tinha conversado com o médico sobre
isso?
- Ai é? Não me digas! Então ele já sabia e não te dizia nada? -
Perguntou Frederica admirada.
- Sim e não… ele sabia mas não pensou que pudesse ser algo tão
grave. Já desconfiava do problema que se adivinha… Aliás eu também sei e
imagino que tu também. Por essa razão tenho tanto medo! Será que esta maldita
doença, nunca mais tem fim? - Perguntou ela, com os olhos cheios de lágrimas a
quererem saltar.
E perguntava a quem? A ninguém especial ou a quem soubesse a
resposta… mas não havia quem pudesse responder.
- Sim é verdade, depois de mim, quem atingirá mais? Acho que já
chega!
- Achas, dizes bem! Eu também acho, mas não somos nós quem deve
achar! Somos obrigados a aceitar o que o que nos está destinado.
- Infelizmente é mesmo assim!
Acabando de proferir essas palavras, olharam uma para a outra,
pois os pensamentos delas complementavam-se. De seguida Júlia olhou para o
tapete do chão com desenhos coloridos e endireitou-o com o pé, dizendo:
- Amanhã tenho que por este tapete a lavar na máquina, espero que
não debote, são cores tão vivas, mas está mesmo a precisar!
Assim, mudaram de assunto e acabaram de descascar as batatas, para
prepararem a maravilhosa caldeirada, para o saboroso almoço.
Depois de terem acabado de degustar a apetitosa refeição,
Frederica levantou a mesa e lavou a loiça usada. Depois de ter arrumado a
cozinha e enquanto preparava calmamente um café, sentou-se à mesa para o beber.
A sua irmã e cunhado tinham acabado de sair, deixando Frederica a sós com seus
pensamentos.
Ainda baloiçavam no ar as palavras duvidosas de Júlia em relação
ao bebé
- O Doutor Ribas, sabe muito bem o quanto eu evitava engravidar,
justamente por essa mesma razão, a que me deixa tão receosa. Mas aconteceu,
pronto, agora não vou interromper esta gravidez, pois sou contra o aborto!
- Eu sei, deixa lá que eu penso igual a ti, e depois será o que
Deus quiser, não achas? Será o bebé mais amado do planeta! - Comentou José,
sorrindo de tão orgulhoso, enquanto acariciava a barriga da mulher, da qual o
volume já era bem visível.
- Sim, será o nosso príncipe! De nada adianta falarmos deste
assunto! Vamos é ouvir o que o senhor doutor tem para nos dizer!
- Sim, tem que ser!
Passados poucos segundos, Frederica abanou a cabeça, como se
quisesse mandar embora os maus pensamentos. Não era nada agradável pensar na
futura tragédia, aquela que seria inevitável não pensar. Uma tragédia que
chegara, como sempre, sem avisar.
Levantou-se devagar e saiu a porta de casa, a mesma que dava
acesso à cozinha. O pequeno jardim que enfeitava a entrada continuava
ressequido, pois era o que esse tempo provocava. Frederica escolheu o lado mais
escondido, onde a sombra já aparecia, e sentou-se.
Sentiu-se um pouco cansada e com uma tontura que, rapidamente
aliviou. Isto só a fez pensar que seria por causa do calor, pois o tempo
continuava abafado e quente, sem uma única brisa a passear, uma típica tarde de
finais de julho.
Sentada na confortável
cadeira de baloiço, a única que ali se encontrava e acolhia quem a procurasse,
Frederica respirou fundo e levantou o olhar, quando viu alguns belos, cachos de
uva espreitando por baixo da latada que ali existia. Abriu um livro de poesia
que trazia na mão e tentou fixar-se num poema de amor.
Depois de tentar abstrair-se nalgumas belas frases mais
românticas, não conseguiu. O seu pensamento viajava e levava consigo o seu
coração, ou melhor, os seus mais puros sentimentos. Aqueles que arrastavam as
boas lembranças da pessoa amada e do dia em que se entregara a ele de corpo e
alma. Pensava nos momentos de puro romantismo quando se amavam, no meio das
vinhas. Esses tinham sido os dias mais apaixonados e românticos que vivera até
então.
Deu asas a algumas recordações que passeavam na sua memória e
concentrou-se nos dias que viriam dali para a frente. Aqueles que seriam muito
piores e mais amargos. Temia o seu futuro daqui em diante e o de Júlia, confusa
e amedrontada.
Frederica sentia muito receio pelo seu amanhã, embora
evitasse pensar nisso, o que era cada vez mais difícil. Não existia cura para
aquela doença esquisita, que já estava impregnada nela e ia progredindo, pouco
a pouco. Recorda-se, como se fosse hoje, do discurso do médico que a seguia:
- Trata-se de uma
doença rara e, infelizmente, ela afeta algumas famílias! - Dissera-lhe ele,
calmamente, com o olhar muito sério e preso numa fotografia que estava à sua
frente, em cima da secretária. Tratava-se da fotografia de uma criança, que
devia ser sua filha e teria cerca de dois anos. Era dona de um sorriso
encantador.
- Como assim? - Perguntou
Frederica.
- É uma doença genética e
hereditária, quer dizer que está nos genes de cada familiar e que a mesma que
pode ser ou não transmitida de geração em geração.
- Não posso acreditar, mas… para
além de ter sido só agora detetada, não conheço nem me lembro, sequer, de
ninguém na minha família com algo igual ou parecido!
O médico olhou para a
mãe de Frederica e com uma expressão, mais séria, continuou...
- Pois… mas o problema,
pode vir também da família do seu marido! Como irmãos, tios, primos, ou mesmo
avós dele, ou até dos seus antepassados! Esta
ou outras doenças parecidas podem ser hereditárias, até à sétima geração.
- Sim, compreendo. -
Respondeu dona Augusta. Depois de suspirar e respirar fundo, levantou o olhar,
com uma expressão de deceção e tristeza.
- Devo desde já
informá-la que se trata de uma doença neuro degenerativa que vai evoluindo, ou
seja, piorando, muito lentamente. Vai precisar de ter muita calma e muita
força, para conseguir acompanhá-la. Sei que vai ser difícil superar todas estas
etapas, mas vai ter que lidar com isso. – Dissera o médico ao olhar para
Frederica e para a mãe dela, que tinham os olhos banhados em lágrimas.
- Parece que estou
no meio de um pesadelo, sem saber a origem… - Lamentava-se, dona Augusta, a mãe
de Frederica.
- Tenham calma,
sim? Sabem que a ciência tem vindo a progredir imenso nesse aspeto… por essa
mesma razão, é importante que mantenham a fé e a esperança.
Quando
Frederica lhe dirigiu novamente um olhar de súplica, ele afirmou-lhe:
-
Poderá existir uma solução, sim! Vamos fazer todos os possíveis, para que isso
não seja em vão e vamos aguardando com paciência, sim? - Acabando de proferir
estas palavras, ele olhou-a com um ar de quem coloca uma questão que quer ver
respondida de forma afirmativa. O mesmo rosto, que estivera cheio de
preocupação, sorriu-lhe com mais confiança!
Frederica recordava-se,
perfeitamente, das palavras que lhe tinham sido dirigidas, alguns meses antes.
Mas ela continuava com bastante receio de que mais alguém daquela família
viesse a ouvir aquelas frases, novamente.
- Mas que rica
herança nos deixaram os nossos antepassados… realmente… com certeza que
desconheciam este problema! - Afirmava ela, com as lágrimas a quererem inundar
os olhos, que permaneciam fechados.
- Porquê eu, meu
Deus? Será que mereço isto? Por que motivo me dás este castigo? – Perguntava-se
tantas vezes, talvez ao acaso ou ao vazio, mas nunca obtinha resposta. Abriu os
olhos e olhou em frente, para o outro lado da rua, quando um barulho lhe chamou
a atenção.
Reparou que uma
carrinha amarelada tinha acabado de estacionar em frente a uma vivenda
desabitada. Depois de olhar uma segunda vez, com mais atenção, ela reparou
melhor, e viu que se tratava de uma carrinha de mudanças.
- Deve pertencer a alguém que mora por aqui, ou nesta rua. -
Pensou.
Viu dois homens vestidos com fatos-macaco em tons de castanho que
acabavam de sair da vivenda azul e se dirigiram para a carrinha. Abriram as
portas da parte de trás, da bagageira, o que lhe despertara a curiosidade.
Reparou mais atentamente, quando viu que eles transportavam alguns móveis para
dentro da casa.
- Mais um novo vizinho, ou velho… - Pensou ela, rindo-se sozinha.
Quando de repente, Frederica viu um homem, muito charmoso e elegante, que parou
na entrada. Logo o seu interesse despertou.
- Hum… mas que “borracho”, quem será esta vitamina para os olhos?
Será o novo vizinho? Não, não pode ser. E se for, de certeza que vem aí mulher…
acho que não iam deixar andar por aí sozinho um pão como este! Podiam comê-lo…
e depois? - Perguntava-se ela, enquanto sorria para si mesma, e respondia ao
continuar com o comentário, em pensamentos.
Ele era alto, cabelo escuro, liso e bem curtinho. O que mais lhe
chamou a atenção, para além do olhar lindo e meigo do qual não conseguia
determinar a cor devido à distância que os separava, foi a maneira de vestir:
um elegante fato e uma gravata azul-escura e camisa azul-clara.
Depois
de o contemplar melhor, por mais alguns breves
segundos, dirigiu-lhe um olhar e um sorriso e entrou novamente na casa azul,
onde continuou a falar consigo própria.
- Seria para mim aquele lindo sorriso? Não acredito, ele não me
conseguia ver dali! Deve pertencer à empresa de mudanças… ou será ele o chefe?
E se fosse...? Que maravilha receber assim um belo sorriso do homem de azul, da
casa azul. Deve ser alguém que tem algum cargo importante! - Dizia-se ela,
suspirando, quando ao mesmo tempo, desviou o olhar e tentou concentrar-se num
poema de amor. O seu pensamento continuava a voar… talvez o que acabara de
presenciar fosse o impossível…
Depois de fechar o livro, fechou também os olhos e recostou-se por
breves minutos, enquanto esperava pela irmã. Quando os voltou a abrir, depois
de ter passado pelas brasas, já não ouviu mais nenhum barulho. Olhou para o
outro lado da rua, só para satisfazer a curiosidade. Como não viu mais a
carrinha, nem nenhuma das pessoas que tinha visto junto à casa, concordou com o
que tinha pensado. Talvez fosse alguém de visita, ou mesmo alguém que tinha
feito uma pausa no trabalho.