AQUI VAI MAIS UMA PARTE DO MEU LIVRO,
Essa felicidade
durou vários meses, em
que ela pode saborear e sentir o verdadeiro gosto de amar e ser amada. Sonhava de olhos abertos, cada vez que via alguma noiva ou vestido
branco, imaginava como seria o seu próprio modelo, escolhido e feito
por ela própria. Imaginava também que a sua futura casa seria mobilada e decorada por si, num sítio pouco movimentado onde um casal de filhos brincava, alegremente na relva do jardim, aparada e verdejante. Eram sonhos de
onde se recusava sair…
Mas não foi
assim. Se tudo o que se vive tem um fim, para
ela não houve exceção.
O seu primeiro amor
foi destruído tragicamente. Foi duplamente traída, por assim dizer, por ele e por
uma amiga comum, de nome Paulina.
Num dia ao final da tarde, Francisca passeava pelo local onde ela e João se tinham
conhecido uns meses antes.
Um sítio onde, de vez em quando, passeavam
juntos. Era um pequeno parque, lindo e meio deserto, com um lago no meio, onde
nadavam patos, juntos e em
família. Ela admirava o sol a ceder o lugar à
lua, nos
seus reflexos de sempre, de cor avermelhada e dourada. Assim, nascia o crepúsculo, uma beleza que
durava apenas
uns
minutos e que ela adorava observar.
As carícias do vento
quente a anunciar o início da primavera,
o chilrear
dos
pássaros, que se faziam anunciar,
mas se escondiam nas folhagens que
cresciam.
Quando ouviu uns pequenos sussurros, pensou
espreitar mas teve receio do que poderia dali
surgir. Deparou-se
com dois seres
muito entretidos... Ficou sem fala e pensou sair
rapidamente dali, mas depois de olhar novamente e com mais atenção, viu o que nunca imaginou
ver... Aquelas duas pessoas,
que
brincavam muito agarradinhas,
uma
com a outra, eram bem
conhecidas…
- Não, não pode ser, não estou
a ver bem!
Dizia-lhe o seu pensamento. Depois, fixou melhor o olhar e soube que não estava enganada.
O seu primeiro impulso foi mostrar o nojo e a raiva
que a consumiam! O desespero feria a sensibilidade dos seus sentimentos mais viáveis que se enterravam, cada vez mais, no seu íntimo. Era o
resultado da dor que procurava
um encosto, no fundo
da sua alma e do seu coração, despedaçando-
os
completamente.
Francisca desejava fazer-se anunciar,
por
isso sem pensar duas vezes, tentou manter a calma e, ao encher o peito de ar, disse:
-Boa noite! Importam-se de fazer um pouco menos de barulho? Pensei que alguém estivesse em dificuldades! Disparou ela, deixando-os sem fala,
pois já nada havia para dizer! Em seguida olharam
mutuamente, comprometidos.
Recorda-se bem, dos rostos colados e do ar de
admiração que tiveram ao serem descobertos
naquele momento.
Francisca relembra aquela triste
lembrança, a que lhe turvou os sonhos da sua
juventude.
A surpresa deixou-a desagradada e quase
sem força para respirar, tal era a humilhação sentida, os desgostos e os sentimentos
de raiva. Recusava-se acreditar no que os seus olhos acabavam de ver, sem querer abrigar aquelas
imagens que ficariam guardadas, involuntariamente,
e eram cada vez mais marcantes.
Despedaçada, juntou os restos da sua coragem
e saiu dali. Conforme avançava, em direção a casa,
as lágrimas rolavam-lhe pelo rosto. A cada passo
que dava em frente sentia-se
cada vez mais vazia e inundada
de sentimentos destruidores.
Pensou e repensou em tanta coisa e em nada ao mesmo tempo, enquanto prosseguia alheia a tudo. Como se fugisse de algo assustador
avançava o mais depressa
que podia. Seria obrigada a fazer
coisas indesejáveis, o que era muito difícil, mas não
teria outra escolha. Estava convencida a por um
ponto final nas duas relações traiçoeiras.
Na manhã seguinte, quando se olhou ao espelho, viu a sua imagem refletida,
pálida e triste,
com os olhos inchados e cheios de olheiras.
Havia neles, um brilho de angústia e desespero, que denunciavam bem o facto de ter passado a noite
em claro e a chorar.
Paulina,
sendo sua amiga e vizinha, sentiu-se na obrigação de uma
atitude mais
decente,
mas
não
sabia
o
que
lhe
dizer, nem
explicar o que não tinha explicações. Somente desejava mostrar, não ser tão culpada nem cobarde
como demonstrara, nesses momentos.
Assim que Paulina avistou Francisca,
esta
dirigiu-se imediatamente, ao seu encontro e tentou explicar o que
era inexplicável.
Francisca
não reagiu e ficou muda e inativa, ficara apenas atenta
ao movimento, dos carros, na rua que se estendia
à sua frente, sem pensar, exactamente, em nada e em tudo ao mesmo tempo. Estava decidida a por um ponto final nessas relações traidoras.
Sabia também que para Paulina não era mais que uma aventura.
Nada mais importante que as outras, do seu passado, lascivo. Pois sempre viveu em função da excessiva libertinagem, aproveitava-
se
dos homens que lhe surgissem, para
saborear assim o sentido da palavra liberdade, pelo seu
próprio critério. Vivia cada dia como se fosse o último e, por esse motivo, o seu primeiro impulso era
o que verdadeiramente contava. Esse facto não a impedia de ter razão, pois a importância da palavra liberdade derivava exatamente de certos instantes momentâneos, esses
ou outros.
Olharam
uma
para a outra, durante alguns
segundos.
Sem
encontrar as palavras adequadas a essa situação, Francisca
começou
com a pergunta
que tanto a consumia:
- Porquê Paulina? Por
que fizeste isto e justamente comigo? Depois tens a coragem
de dizeres que és minha amiga? Divertes-te assim, passando por cima dos outros?
- Calma, vamos conversar, como amigas que
ainda somos!
- O quê? Amigas como
tu é preferível não
as ter! Alguém que eu amava? Não é justo.
Perguntou- lhe ela, com a desilusão à flor da pele e a raiva a
transbordar. E sem dizer mais nada, levantou o olhar
e dirigiu-o
a Paulina, e esperou que ela lhe respondesse:
-Desculpa,
mas não queria que viesses a saber dessa maneira.
Talvez o meu maior defeito
seja a franqueza da impulsividade.
Primeiro porque sou
e vou continuar a ser tua amiga, a menos que
não me queiras ver mais. Segundo,
porque vais amar
mais e melhor, só tens vinte anos, és ainda
muito jovem, e eu recuso-me a ver-te desperdiçar a
tua
juventude, com alguém que não merece o teu amor.
E em terceiro ele queria conquistar-me e eu
não resisti, foi o meu maior erro, mas se não fosse
eu…
seria outra… isso eu posso garantir-te,
ele não te merece!
- Traíste-me, não te posso perdoar isso, nem a
ti
nem a ele. Não consigo
dirigir palavra a nenhum dos dois, dói muito!
- Imagino, mas acredita que tudo se resolve e isso passa! Vais ver, pensa bem em tudo o que te
disse... E desculpa
mais uma vez…tenho pena que se tenha passado assim, se
pudesse apagar tudo, acredita que o faria!
Francisca ouvia atentamente, tudo o que lhe era dito. Parecia até
que era aconselhada a encarar a realidade, mas pela pessoa errada. Apesar de
tudo, era algo que continha a sua razão.
Por muito que recusasse aceitar este desgosto,
ou acreditar nesta decepção, Francisca
sabia quem
tinha razão. Paulina conhecia bem os
homens e
sabia o significado do egoísmo
à sua maneira. Por
muito magoada que estivesse
e lhe custasse acreditar, feliz ou infelizmente assim aconteceu...