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A mesma criança que naturalmente
ainda existia dentro de si, conhecia
perfeitamente o seu lugar de mulherzinha.
Francisca já conseguia perceber o silêncio da sua alma e o segredo da sabedoria
que lhe transmitia constantemente. Se receber era
acordo, oferecer de coração era partilha, o que era ótimo. E
ela
desejava partilhar, porque só da partilha nasce o verdadeiro
amor, aquele que quanto mais se divide, mais cresce.
Nada fica sempre igual, a compreensão e a aceitação são os primeiros
grandes passos para acolher a diferença. Na maioria
das vezes repentina e inesperada, mas também necessária.
Sim… a mudança faz parte do
amadurecimento constante da vida, de tudo o que a
compõe e é inerente a
ela. Sabia que nada é em vão ou
ocasional,
porque em tudo existe um
porquê. Daí sermos forçados a acolher e aceitar,
tão simplesmente, a diferença.
Aprendeu
a valorizar e a aproveitar a
simplicidade
da vida. A ver, a sentir, a ouvir e
principalmente a dar voz ao próprio coração. Porque
as dificuldades e as necessidades ensinaram-lhe a
cultivar e a valorizar o que a vida tem de mais
precioso, como o amor autêntico, a verdadeira
paz e a ternura.
Construía pontes de amizade em vez de muros de ciúmes. Plantava uma simples flor de amor, no meio
das ervas daninhas, onde pouco a pouco, fazia
nascer um jardim de ternura. Tentava construi-lo
o melhor possível, com o cuidado necessário, para o fazer florir.
Assim aprendeu
a dividir a sua beleza e a sua ternura, com quem mais precisasse. Também
aprendeu, a conservar o valor das coisas mais belas
e simples da vida, como o respeito.
Começando
por ela própria, ao saber aceitar e venerar tudo o que vem a seguir. A principal conclusão a que Francisca chegava,
pouco a pouco, era a de jamais desistir ou travar alguma
coisa. Porque
o mistério consiste exatamente em nunca resistir à vida, nem
abdicar dela, pois ela é-nos destinada, sem nunca nos ser permitido desmotivar!
Chegava
o tempo das vindimas,
Francisca
e Jacinta, não hesitavam em acompanhar os outros para os campos. Ainda
resplandecia o calor reunido nos dias quentes e abafados de verão. Ajudavam-se mutuamente e juntavam o útil ao agradável.
Cortavam os cachos de uvas, comiam
alguns e, ao mesmo tempo, divertiam-se. Nessas alturas Francisca engordava
sempre alguns
quilitos, pois deliciava-se com elas, era
a fruta da época que lhe satisfazia o apetite. Lembrava- se que era sempre com Jacinta
que
fazia a dupla: enchiam os baldes ou cestos para em seguida os carregar para o lagar.
Recordava-se
ainda
de quando num dos lagares da terra, ao anoitecer, as duas queriam
participar também no amassar das uvas. Ambas arregaçavam as calças e saltavam para dentro do
tanque. E juntamente com alguns amigos e vizinhos calcavam
com força as uvas, cantando ao mesmo
tempo. Era muito divertido, porque faziam progredir
o trabalho com prazer. Justamente porque, só o que é feito com
gosto nunca prevê cansaço… antes pelo contrário sempre duplica, e
sempre melhora…
Francisca e Jacinta eram muito divertidas, mas
também, com dez anos de idade, quem não o deveria
ser? Sentiam-se
ricas em simplicidade e
humildade, nas coisas verdadeiramente essenciais desta existência. No entanto, Francisca era uma pessoa
bastante
apreensiva, vivia num mundo
muito próprio, rodeado de medo, solidão e angústia. Sem
ela própria sequer
saber o porquê.
Estávamos no início do primeiro
mês do ano, nos dias
em que não havia escola.
Altura em que as madrugadas
eram
autênticas e glaciais, onde tudo
estava branco pintado
de gelo, orvalho e geadas caídos durante a noite.
Sem vontade
nenhuma, Francisca via- se obrigada a levantar para colaborar. Para que o presente
fosse mais suave e o futuro entrasse mais agradavelmente. Ajudava na apanha da azeitona, nessas manhãs
geladas, em que a azeitona se encontrava
negra de bem madura
e pronta para ser apanhada.
Eram muitas as vezes, que Francisca
escondia as mãos geladas,
debaixo dos braços, para as aquecer.
Era assim que voltava a sentir o sangue a
correr nos dedos, para continuar
a sua empreitada junto
dos restantes trabalhadores. Os homens batiam as
oliveiras,
com varas enormes, e faziam cair a
azeitona em cima dos toldos, lá colocados para
esse
mesmo efeito,
enquanto as
mulheres e
crianças apanhavam as que se perdiam para fora dos toldos.
Francisca
pensava, inclusive, na falta dos longos cabelos,
os que tinha cortado uns meses antes. Enfiou o seu carapuço de lã na cabeça, aconchegou-se melhor ao seu cachecol, verificou se tinha apertado os botões do seu casaco, respirou
fundo e continuou.
Depois da primeira etapa, carregavam-na
em sacos de lona, e levavam-na para a azinheira, onde extraiam daí o azeite, tão puro. Francisca admirava as máquinas manuais trabalharem,
fazendo nascer daqueles grãos um maravilhoso
néctar chamado azeite.