Aqui fica mais uma parte do meu livro...
Alguns dias após esse acontecimento, estando Filipa pronta para dormir, no seu lugar de sempre, um pequeno divã na sala, o único espaço que lhe “pertencia” (sem na verdade lhe pertencer), viu surgir da escuridão a mesma pessoa, Zé Pedro.
Sentou-se juntinho dela, e falaram de várias coisas banais, quando ele lhe confessou que a observava todas as noites a despir-se, e que gostava muito da visão descoberta pelos seus olhos. Quando Filipa sentiu repentinamente a aproximação da sua boca colar-se na dela. Foi outra vez beijada por ele, mas agora mais demorado e de lábios abertos, primeiro com jeito forçando a entrada com a língua, explorando à vontade o interior de sua boca…
Filipa rendia-se a essa nova prova de sabores, a essa sensação novíssima, dava-lhe plena liberdade, para saborear dividindo com ele, esse gosto tão agradável, o de uma experiência nova...
Filipa já estava enfeitiçada por ele, de vez em quando Zé Pedro ia esperá-la à saída da escola como combinado, então felicíssima, seguia-o para qualquer lado. Quando isso não acontecia, Filipa sentia imensa falta da pessoa que despertou tudo nela.
Era rara a noite em que não ia procurá-la para a beijar, acariciar nos sítios mais secretos e deixá-la louca de desejo. Esse foi o homem que acordou nela a vontade de ir mais além, explorando novos horizontes.
Foi num desses fins de tarde que, aproveitando a ausência da mulher, utilizou a bebida como desculpa, ou simplesmente o puro despertar do desejo habitado nela, servir-se do seu poder de sedução e enfiou-se na cama com ela. Filipa já sabia o que ia surgir dali, pois ela também tinha muita curiosidade em conhecer o gosto do fruto proibido, o tal sabor do pecado que ouvia tanto elogiar pelas amigas, como sendo uma das oitavas maravilhas.
Lá no fundo, a voz da sua consciência gritava, mas Filipa não queria ouvir, estava demasiado ocupada com coisas muito mais agradáveis. Despida de roupa, sentiu-se desconfortavelmente envergonhada, primeiro olhou para dentro de si, sem achar resposta ajustada ao que estava prestes a acontecer… depois para ele, e viu o seu pénis preparado para a acção, algo que lhe era completamente desconhecido “ao vivo…”
Fechou os olhos novamente e deixou-se levar pelas carícias… sem desejar ouvir a sua própria intuição… que lhe gritava: “não faças isso, nem desperdices a tua juventude… não dês a virgindade a alguém que não merece”. A timidez alcançava-a cada vez mais, e de repente ela deu-se conta da grandessíssima asneira acabada de cometer.
Então despertou da teia do feitiço em que estava encurralada. Mas já era tarde demais para apagar o fogo que a curiosidade fez acender.
Filipa não gostou dessa descoberta, do ser mulher, pois o arrependimento e a vergonha morariam nela para sempre, mas também se apercebeu da incrível revelação de seus sentimentos. Ela amou a pessoa que a ensinou a descobrir o seu corpo, a partilhar o primeiro beijo e a chorar “silenciosamente”, disso não tinha a mínima dúvida.
Pois foi a primeira ilusão feita desilusão, daí nasceu o primeiro amor e o primeiro sinal de amadurecimento, apesar de ser com a pessoa errada. A primeira pessoa a aproveitar-se da sua fraqueza, da sua sinceridade, e assim da sua inocência a todos os níveis.
Mas que ela passou a odiar constantemente, pois deu-se conta do seu constante egoísmo, do demasiado interesse pelo seu corpo só unicamente para satisfazer o próprio desejo.
Foi exactamente passado dois dias, depois de Filipa ter completado os dezoito anos… dia em que a independência se apoderou dela… dia em que a autonomia lhe bateu à porta dando-lhe oportunidade de escolha… que ela viu Zé Pedro outra vez à sua espera, imediatamente se lembrou da primeira vez que ele a levou ao sítio do costume.
Sentiu-se abusada e ofendida, um sentimento desconhecido até então, mas que permaneceria com ela eternamente.
Ele encontrava-se no lugar de sempre, à espera de Filipa, mas desta vez ela negou-se a segui-lo, não quis acordar a vontade aos sentimentos adormecidos, e pela primeira vez recusou sair dali com ele, pois Filipa acreditou sinceramente que foi um sinal de seus pais, despertando-a da loucura já cometida.
Zé Pedro apercebeu-se do que se estava a passar e limitou-se a esquecer esse acontecimento, pois ele também estava consciente do perigo que correria se insistisse mais no assunto. O que Filipa pretendia mesmo era conquistar a paz e a felicidade sem trazer problemas para ninguém, muito menos para o casal que a acolheu.
Filipa deu a entender essa vontade e o seu desejo foi respeitado. A amizade e gratidão ficaram guardadas para sempre.
Regressou à rua e à casa onde cresceu só para se despedir do sítio onde viveu os primeiros anos da sua adolescência. Não tinha intenção nem esperanças em voltar a morar ali. Gostava muito daquele lugar, mas não para habitar, pois faltava o que se considera indispensável para viver com um pouco de conforto e bem estar.
Encostou-se à parede e respirou fundo de alívio “sentindo-se esgotada e frágil”, deixou-se escorregar lentamente até ao chão, sentiu os seus olhos encherem-se de lágrimas e olhou fixamente para o que estava exposto à sua frente.
Era a foto de seus pais. Por instantes teve a sensação de ser observada também por eles e entre soluços perguntou-lhes, com a sua voz trémula:
-Porquê pai? Porquê mãe? Não me façam isto! Porquê eu agora? O que é que estou a pagar e porquê? Não chegava já de desgraças? Porque me condenam a isto também? Serei também obrigada a carregar este fardo pela vida fora? Será que mereço este castigo?
Naquele momento todas essas dúvidas se misturaram na sua mente! E procurou respostas a todo o custo, num diálogo de surdos. Mãe, Pai, ouçam-me por favor, livrem-me deste peso. Não me obriguem a passar por isto, não me dêem esta herança indesejada! E sem obter respostas, perguntou a Deus:
-Porquê? Porquê eu? Porque é que eu estou a pagar, não sei o quê e não sei o porquê? Porque é que me dás este castigo também? Vou ter que viver assim,”cada vez mais limitada” para o resto de minha vida? Que estou eu a pagar? Será que mereço?
E, das dúvidas (sendo já certezas) passou às súplicas, com o pressentimento de ser ouvida por alguém, ou alguma coisa invisível:
-Não me castigues… não me faças passar por isto também… Por favor meu Deus, ouve-me, tem piedade de mim. Eu sei que és bom, por isso dá-me uma prova, não me abandones, imploro-te não me deixes! Por favor, Meu Deus tem piedade de mim.
Por mais que se questionasse, ninguém lhe podia responder, só o eco dos seus sentimentos e a profundidade do seu olhar, lhe poderia oferecer o que ela tentava a todo o custo extrair: uma resposta a todas estas perguntas feitas com desespero. Talvez só o seu “eu” mais íntimo lhe pudesse dar o sinal tão desejado.
Ela implorava, precisava tanto de uma luz que iluminasse o seu caminho mais escuro, de uma mão amiga que não a deixasse cair, de um abraço reconfortante segurando-a cada vez que tropeçasse, nesse caminho tão cheio de incertezas e umas palavras de conforto e esperança, algo que lhe desse a coragem para seguir em frente e atenuasse o peso do vazio...
“-Vai em frente e tem coragem, não desesperes e acredita, que eu não te abandonarei nunca…“ -respondeu-lhe o seu inconsciente...