domingo, 14 de maio de 2017

O perfeito do impeffeito

Caros amigos, como prometido,aqui deixo mais uma parte desta linda historia...

Nos dias seguintes, Frederica continuava com a cabeça cheia de dúvidas e receios. Por mais que se recusasse a aceitar aquele pensamento horroroso que a atormentava. Vivera esses dias cheia de medo de vir a herdar algo muito mau dos seus antepassados. Sentia que algo esquisito entrava, lentamente, pelo seu corpo. Desde criança que o receio e o horror nela habitavam. Mesmo assim, ela tentava não pensar demasiado naquilo, mas a insegurança crescia de dia para dia.
No final de mais um dia quente, algumas semanas após o casamento, estava uma tarde chuvosa e uma apetitosa tempestade de verão parecia bater à porta, exatamente como ela gostava de a receber. Antes de entrar em casa, e completamente encharcada, Frederica teve a maravilhosa visão do seu amor secreto que a ela se dirigia. Também ele estava molhado da chuva que continuava a cair.
- Olá… Tudo bem?
- Olá, tudo sim, e tu que fazes aqui? - Respondeu ela, um pouco tímida.
- Vi-te sozinha, a passear à chuva, tão bonita, com a roupa colada ao corpo. Apeteceu-me fazer-te uma surpresa… achas que fiz mal? - Perguntou-lhe, enquanto lhe sorria, timidamente e lhe limpava do rosto as gotas de chuva que escorregavam dos seus cabelos ensopados.
- Não! Que ideia! Eu é que não estava à espera de nada disto. - Respondeu-lhe envergonhada e tímida, com um estranho calor a subir-lhe pelo corpo acima.
- Gosto tanto de ti! És linda! - Disse-lhe ele, sorrindo-lhe e aproximando o seu rosto do dela. Os seus lábios entreabertos procuraram os de sua amada e, lentamente, a sua língua penetrou na sua boca acariciando-lhe os lábios, e explorando-lhe todos os recantos mais íntimos, querendo ir mais longe.
Frederica afastou o rosto, lentamente, e mostrando-lhe o ar satisfeito disse:
 - Bem… vou mudar de roupa que estou a ficar com frio e encharcada, embora a água esteja quente! Ainda apanho uma constipação… o que eu dispenso! - Respondeu ela baixinho, sorrindo e encolhendo os ombros.
Miguel aceitou a decisão, sorriu-lhe e, encolhendo os ombros, viu-a afastar-se.
Ao fechar a porta, encostou-se à mesma, respirou bem fundo e sorriu de encantamento e satisfação. A sua mãe, ao vê-la com aquele sorriso feliz, e aquele ar radiante, apesar de completamente encharcada, mostrou-se preocupada e perguntou-lhe o que se passava.
- Nada de mais… sinto-me bem por ter ido passear à chuva, é só isso! - Disse ela ao dirigir-se ao seu quarto. Sua mãe sorriu-lhe e, sem dizer mais nada, parecendo adivinhar o seu segredo, deixou-a seguir.
Deitada em cima da cama, Frederica fechou os olhos e sorrindo para si mesma reviveu a doçura do momento que acabara de viver. - Que romântico…! - Pensava ela embalada naquela magnífica lembrança, naquele momento apaixonado e inesquecível.
Fora o seu primeiro beijo de verdade, tão meigo, doce e cheio de paixão. Um presente maravilhoso. Ainda conseguia aprisionar o gosto dos lábios dele, misturado com a água morna da chuva de verão que ainda lhe acariciava o rosto. Era algo que ela adorava fazer… passear sob a chuva de verão, o que, aliado ao que acabara de lhe acontecer, não poderia ter melhor sabor.
Que privilégio! Como ela se sentia feliz e ansiava por aquele beijo, desde o primeiro dia que reparara nele. Recebeu-o somente naquela altura, no início das férias de verão, já depois de completar os seus dezassete anos.

Os meses de verão passaram, e o regresso às aulas voltou. Estava ansiosa de regressar a sua casa e à escola, pois aumentavam as oportunidades de ver a pessoa amada. As ocasiões de se falarem eram mínimas, e assim seriam bem melhores e mais fáceis.
Frederica acabara de passar dois meses em casa da sua irmã recém-casada, que ficava a uns bons quilómetros de distância, para a ajudar na arrumação da nova casa e assim também aliviava um pouco a sua mãe das responsabilidades e dos seus problemas de saúde.
A insegurança comandava-lhe o corpo, fosse em casa ou em qualquer outro lugar, e sempre que se encontrasse acompanhada. Por essa razão, ela evitava fazer algo que despertasse a atenção dos outros, em relação a si própria. Simplesmente para não ser obrigada a responder a algo que não desejava.
Evitava mostrar o que, pouco a pouco, seria inevitável. Frederica era a primeira a sentir-se envergonhada e diminuída com esse facto: o de não conseguir comandar os seus movimentos, algo que a deixava acanhada. Alguém podia reparar e rir-se dela, por curiosidade ou simples brincadeira.
         Sempre que Miguel via ou pressentia que Frederica estava sozinha, aproximava-se dela para a beijar, acariciar e falar-lhe de amor, coisa normal. Como faziam todos os jovens, apaixonados, nessas idades. Alguns amigos já sabiam do namorico, outros desconfiavam, e houve até quem lhe perguntasse, o porquê de ele não assumir tal compromisso. Frederica não sabia responder e sentia-se uma ingénua idiota, porque não encontrava coragem de resistir aos seus encantos, nem de aceitar o começo de uma complicada caminhada, que seria a sua pura realidade.

Logo a seguir às vindimas, algumas crianças gostavam de aproveitar o sol dos fins de tarde outonais. Depois das aulas, iam ao rebusco dos derradeiros cachos de uvas, aqueles que ficavam perdidos, ou escondidos nas folhagens de fim de época.
 Foi num desses fins de tarde, que Frederica e Miguel se encontraram, numa vinha, com mais alguns amigos.
- Olha quem esta ali! - Disse Laura, sua grande amiga de infância, que se tinha mudado para a vila, alguns meses antes dela.
- Sim, já vi… o meu amor, mas não está sozinho, olha só quem esta com ele!
- Oh, que bom, o Joaquim, repara como ele é lindo... -Comentou Laura, sem desviar os olhos dele e com um sorriso caloroso.
- Isso é mesmo paixão...! -Respondeu Frederica com um sorriso aberto, piscando-lhe o olho.
- Achas? Não digas isso, sempre o achei um gato, ou um pão, mas é só! - Respondeu Laura, sem desviar os olhos do seu admirador.
- Pois… está bem… faz de conta que acredito! Tem cuidado que esse pão não é de comer! - Disse Frederica com um sorriso rasgado, enquanto eles se aproximavam.
- Eles vêm aí, não digas isso… caluda, sim? - Disse Laura envergonhada.
- Olá, como vão as meninas, desde há bocado, na escola? - Perguntou Miguel, com um lindo sorriso dirigido a ambas, mas mais atentamente para a sua amada.
- Bem, como sempre! - Respondeu Laura retribuindo um sorriso divertido.  
Passado um minuto, sem ninguém comentar mais nada, apenas os olhares se entrelaçavam. Ao mesmo tempo, contemplavam as videiras, a ver qual deles avistava algum cacho de uvas. Laura foi a primeira a falar.
- Olhem! Ali há uns cachinhos… - e dirigiu-se para lá, também com o intuito de deixar os dois apaixonados sozinhos.
- Espera, eu vou contigo, posso? - Perguntou-lhe Joaquim, enquanto ela avança.

sábado, 13 de maio de 2017

o perfeito do imperfeito. Vol 2 A outra face

Caros amigos, deixo aqui a primeira parte do meu novo livro, que é o segundo volume da trilogia do perfeito do imperfeito, que será promissor.                                      CAPÍTULO UM
                        Adolescência ingrata

Frederica tinha completado dezassete anos de idade dias antes do casamento de sua irmã Júlia. Júlia era a mais velha de cinco irmãs, com um rapaz pelo meio. Entre cada um, havia a diferença de três anos. Ele era o homem da casa. Chamava-se Henrique, tinha vinte e três anos, e vinha logo a seguir a Júlia. Havia ainda a Alice e a Sandra e por fim, nascera Rita, a mais nova.
Depois do funeral de seu pai e de se mudarem para a vila, o casamento, que vinha sendo adiado já há quase dois anos, concretizara-se finalmente. Tudo se adiara porque Júlia se recusava a deixar a sua mãe, que era viúva, com duas filhas ainda menores, e ela própria tinha também graves problemas de saúde. Sofria de asma, todo o tipo de alergias, bronquite e, como se não chegassem estas complicações respiratórias, sofria ainda de problemas cardíacos que não a deixavam descansar por muito tempo.
No primeiro Sábado do mês de Junho o desejo de Júlia fora finalmente realizado. Essa manhã acordara repleta de beleza e de um sol radiante acompanhado de uma brisa que com ele se passeava. Aos poucos, o dia foi-se transformando noutro ainda mais radioso, num desejado calor agradável.
Frederica recorda, ainda hoje, todos esses momentos. Lembra-se, inclusivamente, de ter subido a uma cadeira para alcançar uma jarra antiga, de se ter desequilibrado e de quase ter deixado escorregar a bela jarra das mãos, o que só serviu para a deixar demasiado assustada a todos os níveis.
Fora uma sensação deveras esquisita, como se fosse empurrada por alguém invisível lhe tivesse dado um encontrão.
Sem saber como nem o quê, e nem sequer a origem do que acontecera com ela própria, tentou não dar demasiada importância a esse assunto e a não pensar mais nisso. Não queria vir a ser confrontada com perguntas alheias ou até inapropriadas.
Receava saber essa tal resposta que tanto a afligia, só de a imaginar. Além disso, era uma peça, extremamente bela e rara, deixada pelos seus antepassados, os seus avós paternos.
Dona Augusta, sua mãe, dera conta desse pequeno incidente. Mas não prestara muita atenção e tentou disfarçar. Apenas lhe perguntara se estava bem, ao que ela respondeu com um aceno de cabeça afirmativo.
Recorda-se também de a ter ajudado a enfeitar a mesa para o especialíssimo almoço. Nessa tal jarra, colocou algumas lindas rosas brancas e cor-de-rosa. Emanavam um perfume bem suave e agradável. Eram colhidas do seu próprio jardim e cuidadas pela sua mãe, o que fazia toda a diferença. Por essa mesma razão, faziam ótimos arranjos para ocasiões especiais como aquela.
Frederica olhou-se ao espelho, ao lado da sua irmã Rita. Com doze anos, Rita usava um vestido cor-de-rosa curto, com uma fita. No cabelo, solto pelo meio das costas, usava um laço da mesma cor.
Frederica estreava um vestido vermelho e branco, que fora oferecido pelo seu tio e padrinho de batismo. Calçou umas lindas sandálias vermelhas de pano, com tiras nas pernas, para condizer com a restante indumentária. Usava uma fita branca, que lhe apanhava o cabelo castanho claro num lindo rabo-de-cavalo. Os olhos delas eram do mesmo tom, com nuances de tonalidades diferentes, ora mais claras, ora mais escuras, mas sempre na cor castanha esverdeada. Sentiam que essa beleza natural não as largava, e saboreavam esses momentos, como se fossem únicos…
Estavam simplesmente lindas! – diziam uma para a outra, enquanto Frederica lançava um sorriso para o espelho, depois de se maquilhar ligeiramente e contornar os lábios com batom de brilho.
Depois de tudo pronto, e juntamente com a sua mãe e a sua irmã mais nova, dirigiram-se então para a capela, para assistir à cerimónia, junto dos restantes familiares e amigos mais íntimos. Quando saiu a porta de casa, depois de sua mãe e irmã, viu os olhares de alguns vizinhos que as observavam com admiração e carinho e isso deixava-as ainda mais vaidosas e confiantes.
Frederica olhou à sua volta durante todo o caminho que a levava à igreja, simplesmente na expectativa de avistar o seu amor secreto… mas em vão. A rua estava quase deserta, somente algumas crianças brincavam descontraidamente para entreter o tempo, até verem chegada a hora de reclamarem o que lhes era devido por tradição. Os noivos oferendavam alguns rebuçados às crianças e graúdos da vizinhança, e não só. Talvez num gesto de sorte ou bondade para bons agoiros dos tempos futuros.
O seu mais que tudo chamava-se Miguel e era um ano mais velho que ela. Tinha pele morena, cabelo liso e negro, que parecia seda e sobressaia lindamente na camisa branca que usava diversas vezes. Tinham-se conhecido na escola, alguns meses antes e, logo depois da mudança para a pequena vila, foi o primeiro amigo que Frederica conquistara, para além da Laura, sua grande amiga. 
Depois de se instalar, no seu lugar reservado, junto de sua mãe e irmãs, ela admirou a naturalidade que embelezava a capela. Estava decorada de forma muito simples, apenas algumas rosas cor-de-fogo e lírios brancos, que enfeitavam o altar e a sacristia. Por trás, na parede branca, estava exposta, a grande gravura de Jesus Cristo, o bom pastor, com um cordeirinho ao colo. Tudo estava lindo e transmitia beleza, paz e serenidade… é justamente nas coisas mais simples que a beleza se encontra.
Para além da decoração da capela, apreciava a noiva, a sua querida irmã, que estava radiante. Envergava um vestido branco, simples, com um véu em renda e um ramo composto por três camélias cor-de-rosa. O seu longo cabelo castanho estava apanhado com uma coroa de flores brancas, apenas com algumas madeixas, caídas sobre o pescoço.
A noiva dirigira-se lentamente para o altar, acompanhada pelo seu único irmão, ele que também estava radiante e emanava felicidade. Conduzira a sua querida irmã ao altar, onde se encontrava o futuro marido, muito nervoso, mas com um olhar brilhante e apaixonado.
Frederica sentira-se no meio de um sonho e fantasiava acordada ao imaginar-se a ela a linda e feliz no papel de noiva. Pensava em como tudo seria quando chegasse a sua vez, e imaginava o noivo – o seu amor- então secreto.
O seu olhar percorreu toda a capela e, lá bem ao fundo, estava ele, o dono do seu coração que logo começara a palpitar mais rapidamente. Quando os olhares se cruzaram, sorriram um para o outro, com a alegria desse instante. Uma lágrima de felicidade e encantamento espreitou-lhe dos olhos.
Quando desviou o olhar deparou-se com o seu primo, Jaime. Estava sentado e tão seguro de si, que ninguém diria que alguma doença habitava no seu corpo.
Sentiu um arrepio de medo e um aperto no coração, quando, sem saber porquê, inquietou-se e teve um mau pressentimento. Mas logo tentou tranquilizar-se e pensar que tinha sido o nervosismo que se apoderara de si. Frederica tentava mentalizar-se do contrário, mas sua grande amiga, Laura, reparou nesse seu comportamento, pois estava sentada junto ao seu primo Jaime. Tentou disfarçar esse facto, sorrindo-lhe e piscando-lhe o olho.
Pela segunda vez no mesmo dia, experimentara o mesmo sabor do medo, provando aquela sensação deveras esquisita e amarga. Sem saber exatamente porquê nem como, sentiu que tivesse sido empurrada por alguém ou algo invisível, que quase a obrigava a cambalear e tropeçar. Ao descer as escadas da pequena capela, viu-se obrigada a apoiar-se na sua irmã mais nova, pois seguiam juntas.
Tentava convencer-se de que tudo aquilo era culpa dos nervos relacionados com a agitação daquele momento especial. Sentiu-se um pouquinho mais leve perante essa desculpa, mas, lá no fundo, sabia que isso não era anormal. Já era conhecedora daquela sensação e sustentava esse medo desapropriado: o de vir a ser mais uma vítima dessa pesada desgraça…- uma tragédia que não queria sequer imaginar!
   
O dia maravilhoso passou-se com muita alegria e emoção. Fora uma união maravilhosa, pobre em riqueza mas rica em amor, algo único e valioso. A alegria da Nossa Senhora foi imensa: pareceu ver a retribuição da felicidade quando a sua irmã Júlia, feliz, lhe ofereceu o ramo de noiva.