Nos dias seguintes, Frederica continuava com a cabeça cheia de
dúvidas e receios. Por mais que se recusasse a aceitar aquele pensamento
horroroso que a atormentava. Vivera esses dias cheia de medo de vir a herdar
algo muito mau dos seus antepassados. Sentia que algo esquisito entrava,
lentamente, pelo seu corpo. Desde criança que o receio e o horror nela
habitavam. Mesmo assim, ela tentava não pensar demasiado naquilo, mas a insegurança
crescia de dia para dia.
No final de mais um dia quente, algumas semanas após o casamento,
estava uma tarde chuvosa e uma apetitosa tempestade de verão parecia bater à
porta, exatamente como ela gostava de a receber. Antes de entrar em casa, e
completamente encharcada, Frederica teve a maravilhosa visão do seu amor
secreto que a ela se dirigia. Também ele estava molhado da chuva que continuava
a cair.
- Olá… Tudo bem?
- Olá, tudo sim, e tu que fazes aqui? - Respondeu ela, um pouco
tímida.
- Vi-te sozinha, a passear à chuva, tão bonita, com a roupa colada
ao corpo. Apeteceu-me fazer-te uma surpresa… achas que fiz mal? -
Perguntou-lhe, enquanto lhe sorria, timidamente e lhe limpava do rosto as gotas
de chuva que escorregavam dos seus cabelos ensopados.
- Não! Que ideia! Eu é que não estava à espera de nada disto. -
Respondeu-lhe envergonhada e tímida, com um estranho calor a subir-lhe pelo
corpo acima.
- Gosto tanto de ti! És linda! - Disse-lhe ele, sorrindo-lhe e
aproximando o seu rosto do dela. Os seus lábios entreabertos procuraram os de
sua amada e, lentamente, a sua língua penetrou na sua boca acariciando-lhe os
lábios, e explorando-lhe todos os recantos mais íntimos, querendo ir mais
longe.
Frederica afastou o rosto, lentamente, e mostrando-lhe o ar
satisfeito disse:
- Bem… vou mudar de roupa
que estou a ficar com frio e encharcada, embora a água esteja quente! Ainda
apanho uma constipação… o que eu dispenso! - Respondeu ela baixinho, sorrindo e
encolhendo os ombros.
Miguel aceitou a decisão, sorriu-lhe e, encolhendo os ombros,
viu-a afastar-se.
Ao fechar a porta, encostou-se à mesma, respirou bem fundo e
sorriu de encantamento e satisfação. A sua mãe, ao vê-la com aquele sorriso
feliz, e aquele ar radiante, apesar de completamente encharcada, mostrou-se
preocupada e perguntou-lhe o que se passava.
- Nada de mais… sinto-me bem por ter ido passear à chuva, é só
isso! - Disse ela ao dirigir-se ao seu quarto. Sua mãe sorriu-lhe e, sem dizer
mais nada, parecendo adivinhar o seu segredo, deixou-a seguir.
Deitada em cima da cama, Frederica fechou os olhos e sorrindo para
si mesma reviveu a doçura do momento que acabara de viver. - Que romântico…! -
Pensava ela embalada naquela magnífica lembrança, naquele momento apaixonado e
inesquecível.
Fora o seu primeiro beijo de verdade, tão meigo, doce e cheio de
paixão. Um presente maravilhoso. Ainda conseguia aprisionar o gosto dos lábios
dele, misturado com a água morna da chuva de verão que ainda lhe acariciava o
rosto. Era algo que ela adorava fazer… passear sob a chuva de verão, o que,
aliado ao que acabara de lhe acontecer, não poderia ter melhor sabor.
Que privilégio! Como ela se sentia feliz e ansiava por aquele
beijo, desde o primeiro dia que reparara nele. Recebeu-o somente naquela
altura, no início das férias de verão, já depois de completar os seus dezassete
anos.
Os meses de verão passaram, e o regresso às aulas voltou. Estava
ansiosa de regressar a sua casa e à escola, pois aumentavam as oportunidades de
ver a pessoa amada. As ocasiões de se falarem eram mínimas, e assim seriam bem
melhores e mais fáceis.
Frederica acabara de passar dois meses em casa da sua irmã
recém-casada, que ficava a uns bons quilómetros de distância, para a ajudar na
arrumação da nova casa e assim também aliviava um pouco a sua mãe das
responsabilidades e dos seus problemas de saúde.
A
insegurança comandava-lhe o corpo, fosse em casa ou em
qualquer outro lugar, e sempre que se encontrasse acompanhada. Por essa razão,
ela evitava fazer algo que despertasse a atenção dos outros, em relação a si
própria. Simplesmente para não ser obrigada a responder a algo que não
desejava.
Evitava mostrar o que, pouco a pouco, seria inevitável. Frederica
era a primeira a sentir-se envergonhada e diminuída com esse facto: o de não
conseguir comandar os seus movimentos, algo que a deixava acanhada. Alguém
podia reparar e rir-se dela, por curiosidade ou simples brincadeira.
Sempre que
Miguel via ou pressentia que Frederica estava sozinha, aproximava-se dela para
a beijar, acariciar e falar-lhe de amor, coisa normal. Como faziam todos os
jovens, apaixonados, nessas idades. Alguns amigos já sabiam do namorico, outros
desconfiavam, e houve até quem lhe perguntasse, o porquê de ele não assumir tal
compromisso. Frederica não sabia responder e sentia-se uma ingénua idiota,
porque não encontrava coragem de resistir aos seus encantos, nem de aceitar o
começo de uma complicada caminhada, que seria a sua pura realidade.
Logo a seguir às vindimas, algumas crianças gostavam de aproveitar
o sol dos fins de tarde outonais. Depois das aulas, iam ao rebusco dos
derradeiros cachos de uvas, aqueles que ficavam perdidos, ou escondidos nas
folhagens de fim de época.
Foi num desses fins de
tarde, que Frederica e Miguel se encontraram, numa vinha, com mais alguns
amigos.
- Olha quem esta ali! - Disse Laura, sua grande amiga de infância,
que se tinha mudado para a vila, alguns meses antes dela.
- Sim, já vi… o meu amor, mas não está sozinho, olha só quem esta
com ele!
- Oh, que bom, o Joaquim, repara como ele é lindo... -Comentou
Laura, sem desviar os olhos dele e com um sorriso caloroso.
- Isso é mesmo paixão...! -Respondeu Frederica com um sorriso
aberto, piscando-lhe o olho.
- Achas? Não digas isso, sempre o achei um gato, ou um pão, mas é
só! - Respondeu Laura, sem desviar os olhos do seu admirador.
- Pois… está bem… faz de conta que acredito! Tem cuidado que esse
pão não é de comer! - Disse Frederica com um sorriso rasgado, enquanto eles se
aproximavam.
- Eles vêm aí, não digas isso… caluda, sim? - Disse Laura
envergonhada.
- Olá, como vão as meninas, desde há bocado, na escola? -
Perguntou Miguel, com um lindo sorriso dirigido a ambas, mas mais atentamente
para a sua amada.
- Bem, como sempre! - Respondeu Laura retribuindo um sorriso
divertido.
Passado um minuto, sem ninguém comentar mais nada, apenas os
olhares se entrelaçavam. Ao mesmo tempo, contemplavam as videiras, a ver qual
deles avistava algum cacho de uvas. Laura foi a primeira a falar.
- Olhem! Ali há uns cachinhos… - e dirigiu-se para lá, também com
o intuito de deixar os dois apaixonados sozinhos.
- Espera, eu vou contigo, posso? - Perguntou-lhe Joaquim, enquanto
ela avança.