sexta-feira, 17 de junho de 2016

MAIS UM A PARTE DO LIVRO:O PERFEIT DO IMPERFEIT0O


POIS É... ENTÃO AQUI DEIXO MAIS UMA PARTE DO MEU PRIMEIRO LIVRO DA TRILOGIA  DO PERFEI0TO DO IMPERFEITO.


Cada pessoa possui a sua diferença, e, embora muito parecida que possa ser em certos aspetos, nunca será igual. A diferença reside justamente aí, junto das pequenas, mas grandes diferenças!
- Bom dia… bom dia… estas eram as palavras mais badaladas, do nosso Jacó, o papagaio que entrou dois meses depois de Francisca. Todos os utentes, cheios de boa vontade, quiseram contribuir para a sua compra, ainda bebé. Era muito querido, por todos, pois aprendeu a pronunciar certas palavras e a imitar alguns sons, muito comuns. Sim… aprendeu a imitar os utentes e a surpreende-los, com o seu sotaque de aves. Um dia partiu, com a gripe das aves. Num ano em que a gripe pegou a todos com força e contagiou outros, o Jacó não foi exceção… depois de ir murchando, lentamente, voou para uma vida mais tranquila.


Por vezes, basta um pequeno gesto para concretizar uma enorme necessidade. E era


nesses simples gestos, cheios de boa vontade, que diversas vezes se afugentava esse mau estar. Ela sabia o quão complicado e difícil era, para muitos, tentar procurar a melhor solução. Já diz o ditado que diz: mais vale o jeito que a foa...
A força das pequenas coisas… curtos incidentes ocasionais que muitas vezes se tornam demasiado desagradáveis… os chamados percalços do dia-a-dia. O que por vezes se pensa ser desnecessário para a maioria, faz com certeza falta a outros.
Ela dizia-se a si própria que o segredo estava em nunca desistir, apesar de a vontade ser várias vezes contraditória. Aprendeu a aceitar essa real verdade, que inúmeras vezes se transformavam em dúvidas, e depois em pesadelos.
Porque quem vive as situações na pele sabe dar o devido valor. Aprende-se a valorizar o que na maioria das vezes é tão simples.


Francisca, na sua cadeira de rodas, respirou fundo e dirigiu-se ao quarto ao lado, que era o de uma das novas residentes. Aproximou-se, e pela porta entreaberta perguntou:
- Posso penetrar? Perguntou ela rindo-se, com um sotaque abrasileirado e brincalo. Foi talvez, a única pessoa que conquistou e, inclusivamente, deixou-se conquistar por esse belo sentimento chamado amizade. Talvez pelo tgico destino que as unia existe sempre uma razão, para tudo!
- Claro que podes, sim entra!... Respondera Maria, esfregando os olhos com a mão e, no rosto, alguns vestígios de tristeza.
- Estiveste a chorar outra vez? Questionou Francisca, adivinhando o que era bem visível, ao notar os seus olhos inchados pelo cruel fracasso da vida.
- Isso não vai renovar o passado! Só te vai deixar ainda mais impaciente e frustrada... disse, tentando aliviar o fracasso angustiante daquela existência.
- Eu sei... Mas alivia um bocadinho... Faz este
peso ficar mais ameno... Respondeu Maria, que ao mesmo tempo tentou sorrir, apesar de ter esboçado  um sorriso sombrio e com vestígios de dor.
Havia um especto em que ela tinha inteiramente razão: a saudade do passado, que não muda o presente, pode trazer recordações repletas de duras para adoçar o azedume do dia-a-dia. Mas pode também deixar-nos ainda mais fracassados. Só com a nossa aprendizagem sabemos lidar com isso, e tentar conquistar um futuro mais proveitoso!
Francisca e Maria tinham aproximadamente a mesma idade e entraram ali com condões muito parecidas. Francisca há quase dez anos que estava ali, dez longos anos, que mais pareciam o dobro, em torturas. Sim... Porque sofria no corpo, na alma e na mente os sacrifícios que a maioria das pessoas recusaria aceitar. Sentia-se na obrigação de recolher essas migalhas indesejáveis, as que, infelizmente, o destino lhe reservara. Maria, pelo contrio, nunca tinha aceitado as consequências do tgico acidente que lhe roubara a principal fatia da vida. Vivia revoltada com tudo e com todos, mas no fundo somente com ela, com a tragédia decorrida na estrada da vida.
Francisca fazia os possíveis para compreender a amiga, dando-lhe razão e todo o apoio necessário, e imaginava o quão difícil deveria ser perder o que ela perdera.


Tinha perdido… naquele acidente perdera a família: os    pais e              o          irmão. Perdera também própria saúde autonomia e liberdade.
O acidente deixara-lhe o corpo demasiado danificado, apenas com um rim a trabalhar. O outro rim ficara completamente perfurado com os ferros do carro e, por essa razão, era obrigada a usar fralda, pois ficou impossibilitada de controlar a própria urina. Perdera também uma parte da visão, devido aos vidros do carro, que lhe atingiram os olhos. Não conseguia distinguir nada, do olho esquerdo, e muito pouco do direito. Até as cordas vocais projetavam uma voz bastante presa. Os braços e as pernas ficaram imobilizados, quase por completo e por isso quase não tinha sensibilidade.
Francisca dava tudo a Maria, desde o apoio à amizade sincera, o principal da vida que ela tinha para dar e que Maria precisava. Queria muito faze-la sentir que, infelizmente, não fora a única a ganhar a injustiça do destino. Gostava de conversar com ela sobre qualquer assunto e de lhe contar todo o tipo de anedotas.
Era assim que ela esquecia um pouco mais as grandes coisas que a faziam infeliz. Era uma alegria sempre que alguma pessoa a conseguisse fazer rir.
Maria enxugou devagarinho as lágrimas nostálgicas que espreitavam dos seus olhos, e que ela deixava seguir caminho, para saciar a sede da saudade e da impotência. Ela chorava apenas, quando se sentia sozinha, para despejar à vontade, todo o seu conteúdo, amargo.
Por muito que alguém se esforçasse nunca, ninguém seria capaz de compreender a frustração e a revolta de Maria. Só porque cada caso é único e manifesta-se, sempre, de maneira diferente.


- Como te sentes hoje, amiga? Tens alguma dor, além do normal?
- Não mais que o costume no corpo. Porque da alma… nem vale a pena falar!-Respondeu ela destroçada e com o rosto banhado na completa tristeza.
- Imagino, mas, quanto a isso, ningm pode fazer nada, tu sabes bem! Terás de te aguentar… como eu! É a vida.
- Infelizmente, sei que é verdade! - Respondeu  Maria com um suspiro. Nesse instante, um grito agudo faz-se ouvir, deixando-as preocupadas. Logo a seguir, mais alguns seguiram o mesmo caminho. Assim nasceu uma revolução de gritos que provocam um autêntico reboliço.
- Alguém está a protestar! - Disse Francisca, ao sorrir para a amiga, que também deixou escapar um sorriso, ainda que meio amargo.
- Deixa lá que não é o único… se eu pudesse também protestava… mas contra a vida! Porque ela é feita para viver e não para a vermos passar!
- Nisso tens inteiramente razão, mas quem não tem culpa é quem paga... Enfim, é sempre assim, pagam uns pelos erros dos outros, e agora calhou-te a ti, são essas as injustiças da vida! Não podemos fazer nada contra isso, nem modificar este completo desespero que nos invade diariamente!
- Pois é… e digo-te estaria disposta a oferecer a minha parte mental a quem dela pudesse fazer bom proveito mas, não posso!
- Acredito! Nem eu me importava nada de trocar, ou mesmo dar, a minha melhor parte, assim ficava maluquinha, de uma vez por todas! Francisca tentava, sempre encontrar alguma


piada para a fazer rir, pois ela continuava com o seu sorriso forçado, mas encantador.
- Sim, é verdade, acho que tudo ficaria mais fácil do que estar assim… obrigada a carregar conscientemente esta doidice
- Realmente… acho que nós, tendo a mente num corpo imperfeito, sofremos ainda mais.
- Concordo, a lucidez da mente, impede-nos de agir conforme a consciência nos manda, tudo isto por culpa do corpo… respondeu Maria esforçando-se por manter sorriso, ainda que meio-triste.
- Vamos é esquecer tudo isto, se não corremos o risco de ficar mesmo! - Disse Francisca com ar de riso, que contagiou a amiga.
- Cuidado, que isto pega-se…
- Podes crer, mas ainda bem, por um ladoRiram as duas com vontade, mas Francisca, depois de suspirar, prolongou a conversa…
- Como dizia a falecida Maria da Luz… vale mais ser maluca, que ser inteligenteembora dissesse isso só quando a chateavam!
- Nesse aspeto, ela tinha inteiramente razão
às vezes vale mais, sim!
- Pois… sabes que no segundo dia em que aqui estive, estava eu sentada em cima da cama, a escrever poemas e histórias, quando ela chegou e me disse sorridente da entrada da porta:
- Olá, fo-fo-finha, como me chamava. Como não conseguia articular bem as palavras, prosseguiu com aquele sotaque, dela - tás tão gira, tás a
stoder? Eu, sem  saber  o  que  responder,  fiquei  de boca aberta, a olhar para elasó depois percebi o


que ela queria dizer e deu-me uma vontade de rir… parecia uma parvinha!
- Podes crer, o que vale nesta casa, é que, de vez em quando, a alegria explode. Mas, outras vezes, o tempo passa e nem damos por isso, como agora… - disse Maria depois de olhar para as horas e com um sorriso nos lábios.
- Sim, lá isso é verdade, porque a maioria das vezes, demora demasiado...
Francisca e Maria deram-se conta que a hora do jantar se aproximava e Francisca comentou:
- Bom, sabes o que vamos comer? Li, na ementa, que hoje o jantar é outra vez atacadores com bolinhas – disse enquanto soltou uma bela gargalhada.
- Pois, vira o disco e toca o mesmo!-Respondeu Maria rindo-se.
- Como dizia a Maria da Luz: hoje é: - Parrete com aumogas, que bom, até me nasce uma alma nova... Ela adorava esparguete, então, de cada vez que isso acontecia, era uma festa para ela e fazia sempre aquele comentário.
- Tão cómica… pelo que oiço dizer porque não cheguei a tempo de a conhecer...
- Era tão engraçada e tão querida, dizia cada coisa quando não conseguia fazer bem a articulação das palavras… que Deus a tenha em bom descanso e que vele por nós… que bem precisamos!
- Acho que sim, que está melhor. Por isso é que nunca ninguém vem dizer nada, senão todos quereriam ir para lá!
- Assim é segredo... Só saberás quando lá chegares… mas até lá tens que aguentar...
- Pois… Não outro remédio
- Claro, o que tu querias sei eu! Mas, o que não tem remédio, remediado  está! E para além do


Mais, só irás quando chegar a tua vez porque até lá tens que nos aturar! - Rematou Francisca, com um sorriso deveras brincalhão!
- Que remédio - disse Maria ao rir-se para ela. – E vice-versa também, deixa lá! Mas principalmente, terei que me aguentar a mim mesma… e olha que sou bem chatinha! – Disse enquanto lançou um sorriso. E, divertida, continuou: - O que vale, é que espero sempre sentada, pelo menos assim não me canso!...
- E olha que não és a única, eu também espero sentada! Falando neste assunto, lembrei-me agora de uma anedota que tem a ver com o que acabámos de falar
- Conta lá agora quero ouvir!
- Pronto, está bem, também é pido...! Disse Francisca para Maria com um agradável sorriso. Então, ela começou.
- Um dia, Deus desceu à terra para ver com os próprios olhos como estava o mundo, pois só ouvia queixas atrás de queixas. Foi justamente, cair num consultório médico, na hora de mudança de turno. Vestiu uma bata branca e sentou-se no consultório, em frente à secretaria, quando começou a chamar, calmamente:
Chegou o primeiro paciente, numa cadeira de rodas, sem lhe dar a oportunidade de falar, então levantou os braços e disse:
- Levanta-te e anda!
Assim aconteceu, mas, quando saiu, ao empurrar a sua cadeira de rodas e, com uma expressão de surpresa, passou pela sala de espera onde estavam os outros pacientes, e um deles perguntou-lhe:


- Tão pido! E vens a andar e tudo, esse médico deve ser ótimo, o que achaste?
Com um ar meio apatetado e apressado ao encolher os ombros, ele respondeu:
- Oh... São todos iguais, uma pessoa entra, nem perguntam nada e passam logo a receita e, está feito, mas respirando fundo continuou...
- Este, nem receita passou, realmente, é tudo a mesma coisa, todos farinha do mesmo saco!...

- Boa! Tem a sua lógica... Maria riu com gosto e, suspirando continuou:
- Eu quero que seja, o meu médico, dás-me a direção, para eu ir procurá-lo?
- Ai se eu soubesse... achas que já não tinha ido lá? Aliás, nem estaria aqui para te fazer rir, não achas?
- Oh se acho!
Assim, acabaram as duas às gargalhadas naquele fim de tarde, tao parecido com tantos outros, mas no fundo tão desigual.