sexta-feira, 3 de junho de 2011

O PERFEITO DO IMPERFEITO PARTE 20ª PARTE


    Francisca tinha completado os vinte e sete anos há quatro meses, quando viu pela primeira vez, aquela que viria a ser a sua “aliada” a primeira cadeira de rodas. Infelizmente já estava convencida desse facto, lá no fundo havia ainda, “e sempre”, um fiozinho de esperança…
   Jorge presenciou esse facto e tentou ajudá-la a aceitar essa verdade com optimismo e segurança, igual a que Francisca sentia vinda dele.
   Sem dúvida nenhuma de que a cadeira de rodas era de uma ajuda preciosa para ela, ou para qualquer deficiente motora. Dando uma maior independência de movimentação, ou de cada vez que precisasse de andar uns metros num espaço amplo já conseguia deslocar-se. Francisca já só conseguia caminhar amparada a algo fixo ou alguém que lhe desse ou “ajudasse” a “reconquistar” o equilíbrio perdido.
   Jorge era o melhor exemplo de alguém que nunca encontrava nenhum “obstáculo” em sair com ela. Era o maior protector em qualquer circunstância, e a melhor lição de amizade. 
   A deficiência genética, aquela que podia “ser” transmitida até à sétima geração mostrava-se nula, nada denunciava qualquer vestígio, e em nenhum dos seus familiares mais próximos se assinalava tal indício. - “Obrigada, meu Deus”- pensava ela, pelo menos essa probabilidade, até ao momento, não existia.


   Lembra-se da única carta de amor recebida de Miguel, poucos dias antes de deixar a casa de Elisa. À qual ela respondeu com sinceridade dizendo-lhe que era tarde de mais, presentemente amava e era amada. Isto porque além de ser pura verdade, não queria sustentar-lhe mais uma hipótese de reconciliação. Francisca só desejava viver em paz e ser feliz, só ansiava avaliar e ser avaliada pelo tesouro mais puro: o coração.
   No fundo ele só a desejava fisicamente, Francisca sabia disso e cansou-se de esperar em vão. Miguel pensava só no próprio prazer, fazendo com que esse facto resfriasse o desejo sentido, pois ela avaliava particularmente os sentimentos verdadeiros, aqueles mostrados em pequenos gestos em simples sinais, onde a evidência nunca se enganava e os pormenores falavam mais alto.
    Mas nunca sentiu essa certeza da parte dele, nunca teve a prova de nada. Agora era ela que o recusava inteiramente e que deixava transparecer o que ele guardou secretamente: a repugnância.
   Eram várias as vezes que Francisca comparava o carácter de Miguel com o de Jorge, eram bastante diferentes, pelo menos em relação a ela, enquanto Miguel a “escondia” ignorando-a, fazendo-a sentir-se fracassada, Jorge pelo contrário, orgulhava-se dela e isto fazia-a sentir-se feliz, com a felicidade que ele lhe transmitia.
   Recorda com imensa saudade e tristeza, a segurança e a satisfação sentidas na última vez que saíram juntos, depois de assistirem a uma sessão de cinema tardia, seguiram para uma pensão, como ela dependia da cadeira de rodas, Jorge sem encontrar nenhum inconveniente pegou nela ao colo e subiu para o segundo andar. Exactamente como fazia em muitas outras ocasiões, nunca deparava com nenhuma barreira para as suas limitações, não a considerava, nem mais nem menos, como qualquer ser “normal,” somente “especial” com as suas diferenças, pois era a sua pessoa amada.
   Foi uma noite inesquecível, porque foi a última vez que esteve com Jorge, ainda guarda o cartão com o número do quarto, simplesmente para recordar que foi respeitada e querida, como era e pelo que era.
    Dois dias depois dessa noite, Jorge foi vítima de um acidente de viação que lhe levou a vida, ela ficou a saber do sucedido por um amigo comum, passados bastantes dias, os pormenores dessa ocorrência dispensou saber, pois não lhe interessava saber como deixou esta vida. Também dispensou dar-lhe o último adeus, só o queria recordar vivo, sabe que do seu coração nunca sairá. O principal desejo dela, era ter ido com ele, mas infelizmente não foi, e também não encontrava coragem para ir ao seu encontro. Francisca comparava a sua vivência com uma montanha russa, com os seus altos e baixos, mas os baixos ainda eram mais baixos!
   Nos dias que se seguiram a essa tragédia chorou como nunca, despejou toda a angústia retida no seu coração. Francisca ficou ainda mais vazia, amedrontada e apavorada, pois perdeu a pessoa responsável pela alegria e cor expostas neste presente imprevisível.


    Sentiu-se obrigada a tomar uma resolução sem que ninguém a pressionasse. Já tinha decidido, não queria “ser um peso” para ninguém e muito menos sentir-se “indesejada”.
   Por esse motivo, decidiu sair da casa de sua irmã e família onde estava alojada antes que fosse tarde demais… antes que o arrependimento viesse morar com eles.
    Invalidou o possível casamento com Jorge, por muito que se amassem agora, a paixão não resistiria aos solavancos da caminhada cada vez mais presente e limitada. Recusava-se a fazê-lo e vê-lo infeliz… Também afastou a hipótese de ter um filho desta pessoa amada, precisamente devido aos acontecimentos que poderiam surgir.

FREDY

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