quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O PERFEITO DO IMPERFEITO parte 26

Aqui fica mais uma parte do meu livro...

   Alguns dias após esse acontecimento, estando Filipa pronta para dormir, no seu lugar de sempre, um pequeno divã na sala, o único espaço que lhe “pertencia” (sem na verdade lhe pertencer), viu surgir da escuridão a mesma pessoa, Zé Pedro.

   Sentou-se juntinho dela, e falaram de várias coisas banais, quando ele lhe confessou que a observava todas as noites a despir-se, e que gostava muito da visão descoberta pelos seus olhos. Quando Filipa sentiu repentinamente a aproximação da sua boca colar-se na dela. Foi outra vez beijada por ele, mas agora mais demorado e de lábios abertos, primeiro com jeito forçando a entrada com a língua, explorando à vontade o interior de sua boca…
    Filipa rendia-se a essa nova prova de sabores, a essa sensação novíssima, dava-lhe plena liberdade, para saborear dividindo com ele, esse gosto tão agradável, o de uma experiência nova...
   Filipa já estava enfeitiçada por ele, de vez em quando Zé Pedro ia esperá-la à saída da escola como combinado, então felicíssima, seguia-o para qualquer lado. Quando isso não acontecia, Filipa sentia imensa falta da pessoa que despertou tudo nela.
   Era rara a noite em que não ia procurá-la para a beijar, acariciar nos sítios mais secretos e deixá-la louca de desejo. Esse foi o homem que acordou nela a vontade de ir mais além, explorando novos horizontes.

   Foi num desses fins de tarde que, aproveitando a ausência da mulher, utilizou a bebida como desculpa, ou simplesmente o puro despertar do desejo habitado nela, servir-se do seu poder de sedução e enfiou-se na cama com ela. Filipa já sabia o que ia surgir dali, pois ela também tinha muita curiosidade em conhecer o gosto do fruto proibido, o tal sabor do pecado que ouvia tanto elogiar pelas amigas, como sendo uma das oitavas maravilhas.
   Lá no fundo, a voz da sua consciência gritava, mas Filipa não queria ouvir, estava demasiado ocupada com coisas muito mais agradáveis. Despida de roupa, sentiu-se desconfortavelmente envergonhada, primeiro olhou para dentro de si, sem achar resposta ajustada ao que estava prestes a acontecer… depois para ele, e viu o seu pénis preparado para a acção, algo que lhe era completamente desconhecido “ao vivo…”
   Fechou os olhos novamente e deixou-se levar pelas carícias… sem desejar ouvir a sua própria intuição… que lhe gritava: “não faças isso, nem desperdices a tua juventude… não dês a virgindade a alguém que não merece”. A timidez alcançava-a cada vez mais, e de repente ela deu-se conta da grandessíssima asneira acabada de cometer.
    Então despertou da teia do feitiço em que estava encurralada. Mas já era tarde demais para apagar o fogo que a curiosidade fez acender.
   Filipa não gostou dessa descoberta, do ser mulher, pois o arrependimento e a vergonha morariam nela para sempre, mas também se apercebeu da incrível revelação de seus sentimentos. Ela amou a pessoa que a ensinou a descobrir o seu corpo, a partilhar o primeiro beijo e a chorar “silenciosamente”, disso não tinha a mínima dúvida.
   Pois foi a primeira ilusão feita desilusão, daí nasceu o primeiro amor e o primeiro sinal de amadurecimento, apesar de ser com a pessoa errada. A primeira pessoa a aproveitar-se da sua fraqueza, da sua sinceridade, e assim da sua inocência a todos os níveis.
   Mas que ela passou a odiar constantemente, pois deu-se conta do seu constante egoísmo, do demasiado interesse pelo seu corpo só unicamente para satisfazer o próprio desejo.

   Foi exactamente passado dois dias, depois de Filipa ter completado os dezoito anos… dia em que a independência se apoderou dela… dia em que a autonomia lhe bateu à porta dando-lhe oportunidade de escolha… que ela viu Zé Pedro outra vez à sua espera, imediatamente se lembrou da primeira vez que ele a levou ao sítio do costume.
   Sentiu-se abusada e ofendida, um sentimento desconhecido até então, mas que permaneceria com ela eternamente.
   Ele encontrava-se no lugar de sempre, à espera de Filipa, mas desta vez ela negou-se a segui-lo, não quis acordar a vontade aos sentimentos adormecidos, e pela primeira vez recusou sair dali com ele, pois Filipa acreditou sinceramente que foi um sinal de seus pais, despertando-a da loucura já cometida.
    Zé Pedro apercebeu-se do que se estava a passar e limitou-se a esquecer esse acontecimento, pois ele também estava consciente do perigo que correria se insistisse mais no assunto. O que Filipa pretendia mesmo era conquistar a paz e a felicidade sem trazer problemas para ninguém, muito menos para o casal que a acolheu.
   Filipa deu a entender essa vontade e o seu desejo foi respeitado. A amizade e gratidão ficaram guardadas para sempre.
  


   Regressou à rua e à casa onde cresceu só para se despedir do sítio onde viveu os primeiros anos da sua adolescência. Não tinha intenção nem esperanças em voltar a morar ali. Gostava muito daquele lugar, mas não para habitar, pois faltava o que se considera indispensável para viver com um pouco de conforto e bem estar.
   Encostou-se à parede e respirou fundo de alívio “sentindo-se esgotada e frágil”, deixou-se escorregar lentamente até ao chão, sentiu os seus olhos encherem-se de lágrimas e olhou fixamente para o que estava exposto à sua frente.
   Era a foto de seus pais. Por instantes teve a sensação de ser observada também por eles e entre soluços perguntou-lhes, com a sua voz trémula:
   -Porquê pai? Porquê mãe? Não me façam isto! Porquê eu agora? O que é que estou a pagar e porquê? Não chegava já de desgraças? Porque me condenam a isto também? Serei também obrigada a carregar este fardo pela vida fora? Será que mereço este castigo?

    Naquele momento todas essas dúvidas se misturaram na sua mente! E procurou respostas a todo o custo, num diálogo de surdos. Mãe, Pai, ouçam-me por favor, livrem-me deste peso. Não me obriguem a passar por isto, não me dêem esta herança indesejada! E sem obter respostas, perguntou a Deus:
   -Porquê? Porquê eu? Porque é que eu estou a pagar, não sei o quê e não sei o porquê? Porque é que me dás este castigo também? Vou ter que viver assim,”cada vez mais limitada” para o resto de minha vida? Que estou eu a pagar? Será que mereço?
   E, das dúvidas (sendo já certezas) passou às súplicas, com o pressentimento de ser ouvida por alguém, ou alguma coisa invisível:
   -Não me castigues… não me faças passar por isto também… Por favor meu Deus, ouve-me, tem piedade de mim. Eu sei que és bom, por isso dá-me uma prova, não me abandones, imploro-te não me deixes! Por favor, Meu Deus tem piedade de mim.
   Por mais que se questionasse, ninguém lhe podia responder, só o eco dos seus sentimentos e a profundidade do seu olhar, lhe poderia oferecer o que ela tentava a todo o custo extrair: uma resposta a todas estas perguntas feitas com desespero. Talvez só o seu “eu” mais íntimo lhe pudesse dar o sinal tão desejado.
   Ela implorava, precisava tanto de uma luz que iluminasse o seu caminho mais escuro, de uma mão amiga que não a deixasse cair, de um abraço reconfortante segurando-a cada vez que tropeçasse, nesse caminho tão cheio de incertezas e umas palavras de conforto e esperança, algo que lhe desse a coragem para seguir em frente e atenuasse o peso do vazio...
   “-Vai em frente e tem coragem, não desesperes e acredita, que eu não te abandonarei nunca…“ -respondeu-lhe o seu inconsciente...

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