Adolescência
ingrata
Frederica tinha completado dezassete anos de idade dias antes do
casamento de sua irmã Júlia. Júlia era a mais velha de cinco irmãs, com um
rapaz pelo meio. Entre cada um, havia a diferença de três anos. Ele era o homem
da casa. Chamava-se Henrique, tinha vinte e três anos, e vinha logo a seguir a
Júlia. Havia ainda a Alice e a Sandra e por fim, nascera Rita, a mais nova.
Depois do funeral de seu pai e de se mudarem para a vila, o
casamento, que vinha sendo adiado já há quase dois anos, concretizara-se
finalmente. Tudo se adiara porque Júlia se recusava a deixar a sua mãe, que era
viúva, com duas filhas ainda menores, e ela própria tinha também graves problemas
de saúde. Sofria de asma, todo o tipo de alergias, bronquite e, como se não
chegassem estas complicações respiratórias, sofria ainda de problemas cardíacos
que não a deixavam descansar por muito tempo.
No primeiro Sábado do mês de Junho o desejo de Júlia fora
finalmente realizado. Essa manhã acordara repleta de beleza e de um sol
radiante acompanhado de uma brisa que com ele se passeava. Aos poucos, o dia
foi-se transformando noutro ainda mais radioso, num desejado calor agradável.
Frederica recorda, ainda hoje, todos esses momentos. Lembra-se,
inclusivamente, de ter subido a uma cadeira para alcançar uma jarra antiga, de
se ter desequilibrado e de quase ter deixado escorregar a bela jarra das mãos,
o que só serviu para a deixar demasiado assustada a todos os níveis.
Fora uma sensação deveras esquisita, como se fosse empurrada por alguém
invisível lhe tivesse dado um encontrão.
Sem saber como nem o quê, e nem sequer a origem do que acontecera
com ela própria, tentou não dar demasiada importância a esse assunto e a não
pensar mais nisso. Não queria vir a ser confrontada com perguntas alheias ou
até inapropriadas.
Receava saber essa tal resposta que tanto a afligia, só de a
imaginar. Além disso, era uma peça, extremamente bela e rara, deixada pelos
seus antepassados, os seus avós paternos.
Dona Augusta, sua mãe, dera conta desse pequeno incidente. Mas não
prestara muita atenção e tentou disfarçar. Apenas lhe perguntara se estava bem,
ao que ela respondeu com um aceno de cabeça afirmativo.
Recorda-se também de a ter ajudado a enfeitar a mesa para o
especialíssimo almoço. Nessa tal jarra, colocou algumas lindas rosas brancas e
cor-de-rosa. Emanavam um perfume bem suave e agradável. Eram colhidas do seu
próprio jardim e cuidadas pela sua mãe, o que fazia toda a diferença. Por essa
mesma razão, faziam ótimos arranjos para ocasiões especiais como aquela.
Frederica olhou-se ao espelho, ao lado da sua irmã Rita. Com doze
anos, Rita usava um vestido cor-de-rosa curto, com uma fita. No cabelo, solto
pelo meio das costas, usava um laço da mesma cor.
Frederica estreava um vestido vermelho e branco, que fora
oferecido pelo seu tio e padrinho de batismo. Calçou umas lindas sandálias
vermelhas de pano, com tiras nas pernas, para condizer com a restante
indumentária. Usava uma fita branca, que lhe apanhava o cabelo castanho claro
num lindo rabo-de-cavalo. Os olhos delas eram do mesmo tom, com nuances de
tonalidades diferentes, ora mais claras, ora mais escuras, mas sempre na cor
castanha esverdeada. Sentiam que essa beleza natural não as largava, e
saboreavam esses momentos, como se fossem únicos…
Estavam simplesmente lindas! – diziam uma para a outra, enquanto
Frederica lançava um sorriso para o espelho, depois de se maquilhar
ligeiramente e contornar os lábios com batom de brilho.
Depois de tudo pronto, e juntamente com a sua mãe e a sua irmã
mais nova, dirigiram-se então para a capela, para assistir à cerimónia, junto
dos restantes familiares e amigos mais íntimos. Quando saiu a porta de casa,
depois de sua mãe e irmã, viu os olhares de alguns vizinhos que as observavam
com admiração e carinho e isso deixava-as ainda mais vaidosas e confiantes.
Frederica olhou à sua volta durante todo o caminho que a levava à
igreja, simplesmente na expectativa de avistar o seu amor secreto… mas em vão.
A rua estava quase deserta, somente algumas crianças brincavam
descontraidamente para entreter o tempo, até verem chegada a hora de reclamarem
o que lhes era devido por tradição. Os noivos oferendavam alguns rebuçados às
crianças e graúdos da vizinhança, e não só. Talvez num gesto de sorte ou
bondade para bons agoiros dos tempos futuros.
O seu mais que tudo chamava-se Miguel e era um ano mais velho que
ela. Tinha pele morena, cabelo liso e negro, que parecia seda e sobressaia
lindamente na camisa branca que usava diversas vezes. Tinham-se conhecido na
escola, alguns meses antes e, logo depois da mudança para a pequena vila, foi o
primeiro amigo que Frederica conquistara, para além da Laura, sua grande
amiga.
Depois de se instalar, no seu lugar reservado, junto de sua mãe e
irmãs, ela admirou a naturalidade que embelezava a capela. Estava decorada de
forma muito simples, apenas algumas rosas cor-de-fogo e lírios brancos, que
enfeitavam o altar e a sacristia. Por trás, na parede branca, estava exposta, a
grande gravura de Jesus Cristo, o bom pastor, com um cordeirinho ao colo. Tudo
estava lindo e transmitia beleza, paz e serenidade… é justamente nas coisas
mais simples que a beleza se encontra.
Para além da decoração da capela, apreciava a noiva, a sua querida
irmã, que estava radiante. Envergava um vestido branco, simples, com um véu em
renda e um ramo composto por três camélias cor-de-rosa. O seu longo cabelo
castanho estava apanhado com uma coroa de flores brancas, apenas com algumas
madeixas, caídas sobre o pescoço.
A noiva dirigira-se lentamente para o altar, acompanhada pelo seu
único irmão, ele que também estava radiante e emanava felicidade. Conduzira a
sua querida irmã ao altar, onde se encontrava o futuro marido, muito nervoso,
mas com um olhar brilhante e apaixonado.
Frederica sentira-se no meio de um sonho e fantasiava acordada ao
imaginar-se a ela a linda e feliz no papel de noiva. Pensava em como tudo seria
quando chegasse a sua vez, e imaginava o noivo – o seu amor- então secreto.
O seu olhar percorreu toda a capela e, lá bem ao fundo, estava ele,
o dono do seu coração que logo começara a palpitar mais rapidamente. Quando os
olhares se cruzaram, sorriram um para o outro, com a alegria desse instante.
Uma lágrima de felicidade e encantamento espreitou-lhe dos olhos.
Quando desviou o olhar deparou-se com o seu primo, Jaime. Estava
sentado e tão seguro de si, que ninguém diria que alguma doença habitava no seu
corpo.
Sentiu um arrepio de medo e um aperto no coração, quando, sem
saber porquê, inquietou-se e teve um mau pressentimento. Mas logo tentou
tranquilizar-se e pensar que tinha sido o nervosismo que se apoderara de si.
Frederica tentava mentalizar-se do contrário, mas sua grande amiga, Laura,
reparou nesse seu comportamento, pois estava sentada junto ao seu primo Jaime.
Tentou disfarçar esse facto, sorrindo-lhe e piscando-lhe o olho.
Pela segunda vez no mesmo dia, experimentara o mesmo sabor do
medo, provando aquela sensação deveras esquisita e amarga. Sem saber exatamente
porquê nem como, sentiu que tivesse sido empurrada por alguém ou algo invisível,
que quase a obrigava a cambalear e tropeçar. Ao descer as escadas da pequena
capela, viu-se obrigada a apoiar-se na sua irmã mais nova, pois seguiam juntas.
Tentava convencer-se de que tudo aquilo era culpa dos nervos
relacionados com a agitação daquele momento especial. Sentiu-se um pouquinho
mais leve perante essa desculpa, mas, lá no fundo, sabia que isso não era
anormal. Já era conhecedora daquela sensação e sustentava esse medo
desapropriado: o de vir a ser mais uma vítima dessa pesada desgraça…- uma
tragédia que não queria sequer imaginar!
O dia maravilhoso passou-se com muita alegria e emoção. Fora uma
união maravilhosa, pobre em riqueza mas rica em amor, algo único e valioso. A
alegria da Nossa Senhora foi imensa: pareceu ver a retribuição da felicidade
quando a sua irmã Júlia, feliz, lhe ofereceu o ramo de noiva.
Sem comentários:
Enviar um comentário