quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O PERFEITO DO IMPERFEITO parte 23



          Uma adolescente chamada Filipa




   Entrou em casa, cansada de subir aquela pequena rua tão bem conhecida, percorreu-a vezes sem fim quando ainda era criança. Ambicionava um futuro, bem melhor do que aquele que lhe tinha sido destinado pela providência. Aquela era a estrada da vida indesejavelmente esperada por ela. Mas infelizmente traçada para ela.
   Noutros tempos, esse mesmo caminho parecia-lhe demasiado fácil, enorme e ao mesmo tempo cheio de vida, ela meramente corria nele parecendo um pássaro leve e livre, aqui brincava várias vezes ao dia e gostava da sensação de liberdade. O desejo de continuar assim eternamente acompanhava-a sempre, até parecia adivinhar o que a pouca sorte lhe destinava.
   Ao fechar a porta, encostou-se a ela sentindo-se baloiçar com as pernas a tremer, o coração a querer saltar da boca de tanto cansaço. As dores de cabeça não a deixavam em paz, faziam-se sentir cada vez mais intensas. Sabia que dali em diante tudo seria diferente, sua vida seria muito mais pesada e severa em todos os sentidos e emoções.
   Embora no seu íntimo esperasse sempre por alguma notícia melhor, uma oportunidade agradável de mostrar ao mundo e a ela própria, o seu grandiosíssimo valor, o seu autêntico brilho, não se podia esquecer da realidade demasiado amarga que lhe turvava a transparência mais importante e definida.

   Chamava-se Filipa Guerreiro, tinha completado os dezanove anos na semana anterior e era simplesmente uma adolescente a quem se podia chamar linda. Dona de uns olhos enormes cor de mel, repletos de ternura e transbordando sensibilidade. Os cabelos eram ondulados, castanhos, com algumas madeixas quase louras a cobrir os ombros. O peso adequado à altura, pois herdou o corpo perfeito de sua mãe.
     O desespero interior de Filipa já fazia parte da grande infelicidade escondida no seu ser e nas pequenas coisas do quotidiano. Sim, porque normalmente é nestas idades, “no auge da vida” que nos são oferecidas as melhores oportunidades. Seria uma tremenda ingratidão e desperdício, não querer ou não “saber” aproveitá-las.
  Infelizmente não era o caso de Filipa, porque o que realmente queria era saborear as coisas boas, aquelas que a vida ainda estava disposta a oferecer-lhe. Alterar aquelas que a limitavam cada vez mais… aquelas que a faziam sentir cada vez mais impotente, pois os espinhos do destino cravavam-se-lhe pelo corpo adentro até chegarem à alma.
    Sendo uma pessoa mutuamente frágil e forte, sabia qual era o seu maior tesouro, e de quem herdou esta valiosa herança. A família “Guerreiro” possuía um nome que fazia sentido, como já lhe tinham dito várias vezes, era mesmo uma guerreira, uma jovem cheia de garra, permanecia ali… demasiado frágil em sentimentos…, facilmente se sentia perdida e derrotada, no entanto agarrava-se à vida e batalhava por ela.
    Deixava constantemente o coração dar o último palpite, e cedia-lhe quase sempre… só esperava nunca ser em vão, nunca ser inútil… ansiava pelo resultado, sempre positivo. Dizia a si própria, que o coração avalia sempre por último, obtendo a principal reacção.
   Então seguia o seu íntimo deixando-o navegar neste oceano da vida, onde por vezes as ondas das dificuldades se sobrepunham à normalidade, onde por vezes a vontade enfraquecia lentamente cedendo o lugar à obrigação…ou simplesmente, desfalecia ao ver actos de injusta gratidão…
   Filipa tentava entender, se a sensibilidade era um fracasso, ou uma fortaleza. Se lhe traria o sucesso ou a desgraça, mas sabia principalmente que era um dom, disso tinha a certeza. Um dom deixado especialmente para ela, uma herança bastante valiosa e pretendida por qualquer pessoa, mas também recusada.
    Por vezes deixava-se alcançar pelo pressentimento de que sua mãe lhe queria falar, então olhava atentamente em redor certificando-se de que era só imaginação. Mas mesmo assim tranquilizava-se pois sentia que ela a acompanhava sempre e lhe dava a coragem para seguir sempre em frente.
   Muitas vezes arrependia-se, por ceder ao “fazer tudo bem”. Assim aproveitavam-se dessa sua fraqueza, não para fazerem o bem nem o mal, mas simplesmente aproveitavam-se da oportunidade de exigirem sempre mais… e mais…, de quererem simplesmente satisfazer a própria vontade e assim fazendo nascer esse sentimento demasiado medíocre chamado egoísmo.

1 comentário:

Célia Gil disse...

Que bom ler os seus belos contos! Bjs