Recorda-se nitidamente da última viagem à sua terra natal, e da derradeira visita ao seu último familiar, o seu primo Jaime.
Na viagem de regresso, à sua rotina diária na grande cidade. Filipa, saiu do autocarro e foi visitar o seu primo Jaime, à casa de repouso onde estava internado. Dispunha de duas horas, até à próxima passagem do autocarro, era tempo suficiente para matar as saudades.
Ele ficou muitíssimo contente, quando viu a prima, a única família que ainda lhe restava dirigir-se a ele. Jaime e Filipa abraçaram-se fortemente quando ele ao empurrar a cadeira de rodas a alcançou.
Ele continuava lourinho como sempre foi, mas com menos cabelo e os caracóis mantinham-se ausentes. Os traços do seu rosto estavam mais acentuados, e a pele mais escura. O peso dos anos fazia-se notar.
Era a segunda vez que Filipa visitava seu primo, a primeira foi há exactamente três anos, altura em que vivia com Margarida e marido. Nessa época o principal passou despercebido e o que agora fazia sentido foi puramente ignorado.
A verdade é que Filipa não gostou do que viu, na primeira vez e muito menos agora. Tudo lhe provocou uma desordem emocional, começando pela casa, desde a falta de carinho à compreensão da doença do primo.
Talvez fosse esse o único motivo que a perturbou tanto, era como se tivesse descoberto o seu destino antecipado, como se achasse a futura foto de si mesmo. Mas, particularmente como se encontrasse o futuro projectado no presente.
Não simpatizou com as circunstâncias encontradas por detrás dos cortinados que tapavam a dura realidade. Era uma mistura desadequada na qual moravam todos juntos. Desde pessoas com deficiências mentais leves a deficiências profundas, pelo meio permaneciam as pessoas com deficiências motoras. Embora não sendo uma coisa nem outra, havia sempre quem os tentasse enquadrar nas situações mais convenientes.
O que por um lado era positivo, parecido com uma grande família, com todos os seus defeitos, chatices e inclusivamente compreensão, por outro era bastante negativo, por não existir vida própria, nem privacidade fazendo-os sentir ainda mais inúteis e diminuídos.
- Como estou contente de te ver! Como estás?
Disse-lhe Filipa depois de se sentar e respirar fundo várias vezes.
- Eu cá vou indo bem, apesar de tudo! E tu?
- Cá estou… como Deus quer… Continuas bonito e sempre bem disposto.
- Faço por isso, por andar sempre animado, é o melhor remédio - Dizia Jaime com um ar decepcionante enquanto encolhia os ombros.
- É verdade… temos que tentar proporcionar-nos algo melhor…
- Embora às vezes seja complicado, mas o certo é que o desânimo não nos leva a lugar nenhum, não achas?
- Claro que acho, concordo plenamente contigo!
- Antes pelo contrário, faz-nos é afundar cada vez mais nas águas turvas e profundas da vida…
Filipa continuou a ouvir atentamente o primo e a dar-lhe toda a razão.
- Fico muito contente por pensares assim, e é o único caminho, disso não tenhas dúvidas!
- Fala-me de ti! Que tens feito?
- Por agora, estou bem… Apesar de na maioria das vezes ser difícil, mas… Tento aproveitar o melhor da vida enquanto ainda tenho oportunidades!
- Fazes bem, o ideal é sermos felizes enquanto pudermos, eu que o diga!
Filipa olhou-o surpreendida mas contente ao mesmo tempo, por ele ter a coragem de encarar a triste tragédia que se apoderou dele, de uma forma tão positiva. Mas Jaime continuou com o seu desabafo.
- Por vezes é demasiado delicado encararmos a nossa “própria” realidade e ter-mos que a aceitar. Mas ainda mais difícil é: darmo-nos conta de que a maioria das pessoas encontram em todos nós, os mesmos problemas, as mesmas incapacidades, e até as mesmas necessidades. Algo que é uma mentira total simplesmente porque ninguém é igual!... - Dizia Jaime com toda a certeza, e ele sabia do que estava a falar. Filipa passou a receptor apenas pois não encontrava palavras para dividir com ele, estando ela própria derrotada. Jaime respirou fundo e continuou a sua conversa ao ver o ar de admiração e preocupação de sua prima.
-Não tenho razão de queixa, sossega. Mas bem que podiam fazer sempre melhor, o suficiente, na maioria das vezes não chega, é meramente insuficiente!
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