AQUI DEIXO MAIS UMA PARTE DO MEU LIVRO
Paulo
continuou a escrever-lhe várias vezes, pelo menos uma carta por semana,
pedindo-lhe ajuda silenciosamente. À qual Filipa não encontrou coragem para
ignorar o “bem amado” apesar de tudo. Pois sabia que era a única pessoa que lhe
dava força emocional, a força física já não existia, nem para si própria.
Pediu-lhe
muito que fosse visitá-lo à prisão, pedido esse que foi rejeitado por ela, pois
para além de não ter condições, afastava a hipótese de se reconciliarem.
Os meses
passavam e as cartas de Paulo chegavam e amontoavam-se cada vez mais. Paulo
fazia-lhe confidências, pedia-lhe conselhos e desabafava com ela. Contava-lhe
as horas que preenchiam o seu dia a dia, nessa casa prisioneira da verdade.
Chegou-lhe
a contar que se meteu numa briga por tentar defender um jovem delinquente
acabado de entrar, onde foi parar ao hospital, com duas facadas... pois queriam
abusar dele sexualmente… fez de Paulo o seu refúgio, mas ele não se achou
incomodado, conhecia bem demais até, o perigo que habitava ali, sendo esse um
dos pratos do dia juntamente com a sida.
Partilhava
com ela também o tráfico de droga existentes nas prisões, o qual ele dizia que
não fazia parte, mas Filipa ficava na dúvida, pois a confiança que tinha para
com ele já se tinha evaporado, o medo do destino derrubou-o.
As cartas
de amor, que Paulo escreveu a Filipa com poemas dedicado à mesma, poemas
atormentados, desabafos bárbaros e pensamentos torturantes, eram o constante
recheio desses dias intermináveis.
-O meu
maior sonho é termos a nossa casa, eu o meu emprego, uma vida amor, é esse o
meu grande sonho, construir uma vida despir-me de mim, de quem fui, e vestir a
minha verdadeira pele… Lá estou eu outra vez a aborrecer-te, não é?
-Perguntava-me
ele sem eu querer responder, mas no fundo só desejava por isso.
A ti
Nunca te
esquecerei
És senhora
do meu coração
Para sempre
te amarei…
A ti dona
do meu coração
No dia em
que o sol morrer
No dia em
que deixar de brilhar!
Então amor
será nesse dia
Que eu
deixarei de te amar!
Passados
três anos, depois de sair, cumpriu o prometido, sim, foi visitá-la e jurou-lhe
mais uma vez o que ela já sabia, que a principal intenção era recomeçar vida
nova e limpa junto dela.
Quanto a
Filipa evitava falar sobre o assunto, pois não o queria desencorajar, antes
pelo contrário, encorajava-o sempre a seguir em frente com o seu objectivo, só
afastava qualquer hipótese de sustentar ilusões, só ansiava por saber e
verificar quem tinha razão.
Foi um mês
depois que ela recebeu a noticia, pela única irmã dele e mais nova, ela era
conhecedora do romance existente.
- Tenho
uma triste notícia – Dizia ela ao telefone.
- Podes
dizer, eu já estou pronta para tudo!
Dizia
Filipa, atenta à resposta do outro lado.
- O Paulo
faleceu, há três semanas mais ao menos, não encontrei coragem de te comunicar
mais cedo…
Filipa ao
ouvir essa confirmação ficou abismada e muda sem sequer conseguir pensar. O
silêncio mantinha-se… até que ouviu do outro lado:
- Continuas
aí?...
- Sim…,
-respondeu ela – Como é que ele morreu e onde? – Perguntou Filipa.
-Com uma
over-dose em casa de um amigo…
A decepção
tomou conta dela e só arranjou forças para agradecer…
Pousou o
telefone e deixou sair as lágrimas que inundavam seus olhos.
Filipa
sentia seu coração despedaçar-se, a última expectativa morreu com ele, então
perguntava-lhe como se ele a ouvisse.
- Porquê
Paulo, porque partiste e me deixaste aqui e assim? Levaste contigo o resto da
minha esperança… o que te fez vacilar? Foi a falta de coragem que assumiu o
controlo? Ou foi o puro sentimento de fraqueza? Ou foste exclusivamente
egoísta, buscando o caminho mais fácil? Fosse qual fosse a verdade, também
sentiu uma pontinha de alívio, pois o constante pavor sustentado pela sua
presença tinha-se evaporado completamente deixando o lugar ao medo da ausência.
A
nave dos loucos!
Vagueio na
grande nave espacial
Em
que tudo se dá…
Há gingões
atrevidos, tatuados e enlouquecidos
Palhaços
revoltados, cobardes e vencidos
Destemidos
e traidores…
Dignos e adormecidos… Zumbies!
Vagueiam
por um corredor
Sem destino
e sem Norte
Vagueiam nos
corredores da morte…
Há risos e
sorrisos, palavras e gestos
Desnorte,
ódio e esperança
Há de tudo
um pouco…
Na grande nave dos loucos…
No seu
longo vaguear, acolhe os filhos…
Que o
ventre do sociedade faz abortar…
Da
tortura à solidão, do desprezo à humilhação…
Tudo se
vende neste longo viajar!
O guarda
no desdém miserando
Com a
porta batendo, torturando
Aqueles…
Que ao fim
da viagem, tentam chegar
Mas
jamais serão, como nele entrarão…
O desprezo
faz desprezar…
A
violência violentar
O silêncio
gritar…
E a
revolta revoltar
Bem vindos
ao mundo dos revoltados
Mal vindos
todos à nave dos loucos.
Sem comentários:
Enviar um comentário