quarta-feira, 10 de junho de 2015

O PERFEITO DO IMPERFEITO...

Aqui deixo mais uma parte do meu livro e deixo tambem o link para quem quizer: https://www.chiadoeditora.com/livraria/o-perfeito-do-imperfeito

CAPíTULO CINCO
A ÁRVORE DEPENADA


Na man seguinte, Francisca olhou-se ao espelho, pela primeira vez desde que acordou. Não via o seu rosto mais de dez dias, e estava muito curiosa de ver como se parecia. Achou-se esquisita, mais magra e branca, ainda com algumas ligaduras a tapar o pouco cabelo que lhe restava. Uma pequena madeixa de cabelo, quase louro, espreitou por entre os panos brancos, que enrolavam sua cabeça, e ela pensou, na árvore depenada.
Foi uma lembrança que a fez sorrir, pois agora aconteceu- lhe a mesma coisa, mas por outros motivos bem diferentes. O maior de todos, um dos grandes desafios da vida. Quando caiu completamente desamparada na calçada, fez rios golpes, e ficou, pela segunda vez, quase careca.


Francisca estava com dez anos apenas, mas já estava consciente de que a perseverança era a maior das virtudes. O livro da vida continuava a virar as páginas, querendo fazer entender que tudo é passageiro.
Passadas algumas semanas, depois das aulas começarem, sentiu-se obrigada a ceder ao desgosto: o primeiro corte de cabelo… depois de ter apanhado uma carga de “piolhos e lêndeas, que sendo uma coisa comum nas escolas, não se sabe o porquê do seu aparecimento. Também ela foi vítima desse martírio. Sabia somente que era contagioso e fazia uma tremenda comichão.
Por volta dos anos setenta e pouco, numa aldeia perto do fim do mundo, Francisca contemplava com grande tristeza e os olhos humedecidos, o peso da obrigação que se desenrolava diante dos seus olhos. Sentada numa cadeira, na varanda de sua casa em frente ao espelho, contemplava pedaços do seu cabelo, que caiam ao seu redor.
Francisca despedia-se em silêncio desses bocados, pois sabia que era a última vez que os podia contemplar. Ela desejava parar o tempo e fugir dali, com aqueles pedaços de cabelos que eram seus, unicamente seus. Sabia que era apenas mais uma gina virada, no livro da vida, fechou os olhos e desejou sumir dali. Era um grande desgosto para ela as lágrimas que lhe rolavam pelo rosto, pareciam de sangue. Cada vez que sentia, sem ver, o ruído das lâminas da tesoura nas mãos de seu pai, entristecia. Cada tesourada sentida na sua cabeça ficara tamm encravada na sua alma. Sim... chorar era a única maneira de libertar os seus medos e pensamentos negativos. Só assim, lhe era possível encontrar a solução, despejando tudo o que pudesse existir de menos positivo. Ficaria mais leve e,  ao  mesmo tempo, mais forte para encarar o futuro. Francisca ficava a saber que por vezes o dar era necessário e quase “obrigatório “só sendo válido fazendo a vontade ao coração.
Francisca fazia por inverter a situação em pensamentos positivos, como se oferecesse um dos seus tesouros. Questionava-se e tentava perceber o porquê destas deceções. No fundo tentava simplesmente encontrar uma desculpa para ficar mais leve. Sentia as lágrimas caírem com menos intensidade e tentava, a qualquer custo, controlar o choro cada vez menor. Esforçava-se por não chorar, cada vez que alguém ao passar na rua a olhava e tentava acalmá-la, dizendo-lhe o que já estava farta de saber:
- Os teus lindos cabelos voltarão a crescer, e rapidamente, tudo voltará à normalidade. Mas para Francisca isso não bastava, porque o que ela queria era o presente, e não o futuro.
De repente ganhava coragem, e olhava fixamente para a imagem que aparecia à sua frente, evitando ceder à vontade do pessimismo e dizia, para si:
- Pareço uma árvore depenada... Desabafava ela ao sorrir baixinho, para evitar ser o que tinha sido até agora: O alvo das atenções.
Como o outono estava ainda a arrumar a casa para acolher dias mais frios, sentiu um arrepio de pensar na falta que os longos cabelos lhe fariam. De pescoço descoberto, todos os olhares ali presentes continuavam fixos nela. E os olhos dela estavam fixos na imagem que o espelho refletia, mas Francisca continuava a não gostar. Insistiu na visão, mas depressa percebeu que não tinha outra alternativa a não ser a de se aceitar tal e qual como estava. Olhou-se bem e concluiu que não era assim tão desagradável, não ficava melhor nem pior, apenas diferente.
Com o rosto destapado, sentiu-se nua mas ao mesmo tempo mais pesada. Porque se sentia mais tímida e envergonhada, a diferença reinava, embora fosse a mesma pessoa. Os olhos grandes e verdes, o rosto perfeito e redondo com duas covinhas nas bochechas, os lábios sorridentes que destapavam os dentes brancos e até as orelhas pequeninas mostrava. Olhou para o chão e viu os cabelos espalhados, depois outra vez para a imagem que permanecia diante dela, aquela que era refletida no espelho. Reparou que algumas raízes, quase louras saíam do casulo, completando assim o lindo especulo.


Sentiu-se repentinamente mais madura e mais segura de si. Sim... ela adotaria aquela imagem… afinal o novo visual não era assim tão mau. A nova figura seria a sua melhor amiga, além da sua boneca Joana. Com o novo visual, levantou-se e mirou-se
de novo, de lado, por ts, pela frente e, concordando com ela própria, fez um sinal de aprovação. Ela deu-se conta do seu crescimento, a todos os níveis, principalmente agora de cabeça quase desnuda. Francisca sentiu vontade de sorrir aos pensamentos que lhe inundaram a caba, uns minutos antes.
Todos ficaram na expectativa de verem o que iria sair dali… assim deu conta da admiração estampada nos rostos que denunciavam uma aceitação repentina. Ficaram tamm contentes, pois ela estava linda, nem mais nem menos que antes, apenas diferente e talvez mais madura, sim… a mudança por vezes é necessária e de nada adianta ficar triste!
- Estás tão gira assim que até pareces uma senhorita! Dizia-lhe a vizinha e amiga Jacinta, com
um enorme sorriso. Será que era mesmo verdade,
ou era somente mais um elogio para ela ficar mais tranquila? Também, naquele momento, isso era o que menos importava. A sua convicção era que estava realmente linda.
- Ningm te vai conhecer! Ficas tão bem! Diziam-lhe outras vozes conhecidas. O que, para além de ser verdade, a deixava mais poderosa e confiante de que aquela diferença lhe ficava mesmo bem, apenas tinha que se mentalizar.

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