CAPÍTULO SETE IMPACTO PROFUNDO
Estávamos no ano de mil-novecentos e noventa e três, numa quinta-feira, no dia quatro de
fevereiro. Era uma tarde fria, embora ensolarada. Francisca, acompanhada pelos seus familiares, entrou pela primeira vez
na enorme vivenda lindamente situada. Fora da civilização, e ao pé de dois montes, que se
apresentavam
cobertos de erva fresca, onde animais pastavam alegremente. Assim que entrou
os grandes portões verdes reparou em como era
enorme
aquele espaço. Apreciava os pássaros que
brincavam e cantarolavam ao apanharem banhos de
sol,
no relvado. Era um lindo e espaçoso
jardim, bem cuidado,
onde
nasciam
os vários
tipos
de
flores, pois estávamos
justamente na época do seu florescimento.
Enquanto os jarros e lírios branquinhos
mostravam a fragilidade
nas pétalas maravilhosas, os malmequeres, as roseiras e as
hortênsias mostravam os seus filhotes. Alguns já permaneciam em botões querendo espreitar para
fora e assim acordarem com o calor dos primeiros,
raios de sol. A relva também se mostrava bem aparada, algo que aparentava
exigir um certo
cuidado.
Logo que entrou os portões, viu um rapaz
de aspeto esquisito,
baixo e
gorducho,
que
os
observava e se dirigiu a eles
assim que estacionaram.
Cumprimentou-os
a todos com um
forte
abraço e um agradável sorriso… Como se os conhecesse já há uma eternidade e fossem
íntimos. Mostrou-se bem-educado e amável
fazendo-os sentir bem-vindos a sua casa.
- Olá, olá, está boa? Disse ele bastante sorridente e cumprimentando-os a todos, às mulheres
com um
beijo e um abraço,
aos
homens com um aperto de
mão.. deixava transparecer muito bem
a felicidade à
flor da pele. Tudo isto só e unicamente
por serem pessoas desconhecidas, pessoas alheias… ele queria fazer mais amizades e diferentes das que estava habituado a conviver e, que já conhecia bem
demais…
Só mais tarde, é que
Francisca
ficou a conhecer a realidade. O rapaz, com pouco cabelo e já quase branco era, simplesmente,
uma criança no corpo de um homem
que
possuía uma doença denominada mongolismo. Era
a primeira vez
que Francisca ouvia
e via uma pessoa assim, mas não seria a única com
certeza.
Depois de entrarem na enorme vivenda, a
pessoa responsável pelo acolhimento
de Francisca
convidou-os a conhecer o principal da casa. O conteúdo não era nada agradável
aos olhos de quem o contemplava
pela primeira vez. Esse facto era obrigatoriamente aceitável, embora indesejável,
pensava ela.
Francisca vinha conhecer
a sua futura casa,
onde (in) felizmente permaneceria,
nas
próximas temporadas,
ou
talvez para sempre. Sim,
porque foi opção dela, unicamente
dela, e estava
consciente da sua escolha. Conheceu e ficou a habitá-la, no mesmo dia. Porque Francisca já vinha
preparada para a sua estadia prolongada. Quanto ao
seu primeiro impacto foi bastante doloroso, pois ela tinha bem presente, o pesadíssimo fardo que a aguardava, quanto ao outro fardo… esse já estava
hospedado em toda a sua intimidade.
Sabia o principal… aquela casa seria
a dela e por um tempo indefinido.
Tempo esse que
era bem dispensado por ela, mas também,
com toda a certeza, pelas
pessoas que ali permaneciam...
Sentiu-se bem acolhida pela maioria dos utentes que aí residiam, pois eles também ficaram
radiantes por acolherem uma nova hóspede, alguém novo para conhecer e dividir experiências. Era nova em todos os
sentidos da palavra! Aquele seria assim mais um dia
vivido naquele lugar, naquela casa tão desigual,
um dia diferente
de todos os outros, mas, no fundo, tão igual
a tantos outros que se seguiriam.
Depois de Francisca
se
despedir
dos entes mais queridos,
ficou a olhar o vazio, numa casa
enorme e no meio de tanta gente, mas ao mesmo
tempo tão sozinha. Tinha a cabeça cheia de dúvidas e
pensamentos.
Olhava e sorria com algum receio
para
as poucas ajudantes
de lar, as que ficaria
entretanto a conhecer melhor.
Depois de arrumar, com alguma ajuda, as suas
coisas e roupas no pequeno armário, que apesar de ser pequeno, era suficiente para quem possuía o necessário,
colocou o ursinho azul em
cima da
Cama.
Aquele urso ocupava um grande
lugar no seu
coração. Deixou-se empurrar, na cadeira de rodas, para conhecer
o resto da casa. A pessoa que a
acompanhava era uma residente, que se prontificara
imediatamente em mostrar-lhe o que faltava.
Depressa a amizade nasceu entre elas.
Teresa, como ela se chamava, desabafava
com Francisca
sobre
os azares e alegrias da vida
e queixava-se,
também, das poucas
vezes que as
primas, a sua única família, a visitavam.
Teresa tinha uma ligeira deficiência mental e física… era essa a razão da sua presença
ali. Conversava bem,
embora não soubesse manter uma conversa de pé e coerente por muito tempo. Infelizmente, a maioria dos residentes era assim, cada um com as
suas limitações. Cada caso continha a sua
diferença, embora parecida, no fundo, cada pessoa
permanecia ali, por alguma razão…
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