quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O PERFEITO DO IMPERFEITO (14ª PARTE)

PARTILHO COM MUITO GOSTO MAIS UMA PARTE DO MEU LIVRO

   O presépio estava ali, decorado com o musgo fresco escolhido por ela e pelas irmãs, mantinha-se unicamente recheado de pobreza e simplicidade… mas com a enorme riqueza do amor e da gratidão…
   Francisca contemplou-o uma vez mais com a humildade do costume, a qual ela aprendeu a cativar, e que conhecia ser simplesmente maravilhosa. Através da claridade da noite verificou se continha a imagem principal, sim... ele estava ali… sempre presente.
  Francisca rezou-lhe a oração aprendida na catequese, onde nunca faltava, a tal mais conhecida. Pois mantendo sua mente ocupada evitava pensar no frio.
   O tempo não queria passar e Francisca esperou em vão, até que deixou a vontade de sair dali instalar-se nela… quando estava quase a ceder à tentação de desistir, viu um vulto sair da escuridão a aproximar-se do local onde permaneciam os seis pares de sapatos, vazios e juntinhos à espera duma recompensa merecida.
   Estavam expostos debaixo do pinheirinho, apanhado e trazido do pinhal pelo homem da casa. Meramente decorado com umas fitas às cores, e uns pedacinhos de algodão branco “ para imitar a neve.”

   O silêncio continuava a reinar, e a ansiedade queria explodir de tanta euforia. A inquietação queria soltar-se obrigando-a a abrir bem os olhos, sem desperdiçar um segundo sequer nem perder absolutamente nada.
   Observou com toda a atenção possível, cada gesto que ele fazia, para simplesmente verificar, que não se esquecia de ninguém, e não esqueceu, porque só ele sabia o que fazia. Desejava muito falar com ele, para lhe fazer os pedidos ansiados…
   Pois era a única oportunidade de ver “o correio do menino Jesus”que segundo o pensamento de Francisca, não era nada mais que o Pai Natal… somente Ele… tinha esse poder absoluto.
   Assim o pensava ela e foi assim que o aprendeu, só Deus sabia o que era melhor para cada um, só “Deus sabia escrever certo por linhas tortas,” e unicamente Ele fazia chegar a verdade através da mentira, e a fortaleza através do sofrimento, porque só assim se dá o devido valor, às coisas mais insignificantes.

   O clarão contínuo da noite entrava pela janela adentro, e o vulto ao virar-se, para retomar o caminho de volta voltou a face contra a claridade e… iluminou-se na escuridão… o rosto de seu pai, única e simplesmente, o de seu pai!!
    Francisca continuava escondida atrás da porta, mas a curiosidade deixou o lugar ao espanto, e boquiaberta… apeteceu-lhe gritar… dizer-lhe que estava enganado… que o lugar dele não era ali naquela hora!
  Mas conseguiu controlar a decepção sentida, cedendo o lugar, pouco a pouco, à tristeza e ao desgosto. Toda a sua ansiedade ficaria despedaçada para sempre, e todos os seus desejos ficariam rasgados.
    De repente sentiu uma onda de calor invadi-la por completo, e uma comichão enorme quase a obrigou ceder à vontade de espirrar, imediatamente pôs a mão no nariz aprisionando-o, evitando ressoar o barulho que iria surgir dali, e assim revelasse indesejavelmente o seu esconderijo alugado por alguns minutos… o que lhe revelou o gosto amargo de decepção enganosa…
    Deixou o “vulto” regressar à escuridão, ao fundo do corredor, quando desapontada voltou para a quentura da sua cama onde dormia com a irmã mais nova… Devagar para não a acordar… enrolou-se no meio dos cobertores, aqueceu um pouco o seu corpo que continuava frio, mas só o corpo pois sua alma “fervia”. Pouco a pouco deu asas às lágrimas que já esperavam sair.

    Deu liberdade à tristeza aprisionada dentro dela e tudo começou a fazer sentido… todos os porquês continham uma resposta… por essa razão é que os presentes eram tão pobres? Precisamente porque era impossível conseguir dinheiro para mais…
   O significado do pai Natal não era nem mais nem menos, que o nosso pai no natal, neste caso o de Francisca, por essa razão é que ela via tanta coisa linda nessa época Natalícia… mas só para quem podia… não para quem queria ou merecia, ela só tinha ordem de apreciar as várias coisas, fazendo inveja a qualquer um, mas infelizmente nem toda a gente podia comprar.
   O desgosto e a desilusão sentidos roubaram-lhe a ânsia de dormir. Aquela vontade tão desejada, só para se dizer que tudo não passou de um sonho. Mas era já madrugada quando essa fome chegou.
   Vendo-se obrigada a ceder à tentação de fechar os olhos e sem querer resistir, ela deixou-se levar para outra dimensão, rumo ao sonho mais apaixonante que alguma vez tivera.
   Ouviu a voz de Deus sussurrar só para si… foi um sonho lindo, repleto de paz e doçura… ela sentada numa nuvem vagueando no altivo céu azul, enquanto Ele lhe falava com calma, tranquilizando-a. Talvez devido ao que presenciou, talvez por achar uma tremenda injustiça paga só pelos mais pobres!

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