quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O PERFEITO DO IMPERFEITO (15ª PARTE)

Aqui publico mais uma parte do meu livro e tambem a linda capa, feita e pintada, por uma querida amiga, especialmente para esse efeito.

   A manhã acordou vestida de branco, eram todos os telhados, árvores, caminhos nada se distinguia, até o céu era infinitamente branco. Parecia uma noiva dirigir-se ao altar, dava gosto ver os ramos dos pinheiros curvarem-se com o peso da neve. Pareciam fazer uma vénia à passagem da noiva.
    Francisca foi acordada com o entusiasmo da irmã mais nova, desanimada e cheia de dores de cabeça levantou-se, e juntamente com suas irmãs dirigiram-se ao local onde repousavam os sapatinhos. Esperava encontrar algo diferente dos anos anteriores, que era um cachecol e um chocolate, uma camisola, uns rebuçados, alguns pares de meias ou gorros. Ainda continuava com a indecisão à flor da pele, então rezava na expectativa de estar certa… mas depois de ver os presentes, logo saberia…
   Mas não foi diferente, e depois do que ela viu também não esperava melhor. Pois além de ser uma família pobre eram muitos, e a intenção dos pais, era a de adoçar um pouco o apetite a cada um, oferecendo-lhe um miminho, juntando o útil ao agradável.
   -O Menino Jesus pôs no meu sapatinho, uma camisola linda e que estava a precisar. Dizia sua irmã Júlia, se calhar já sabia do segredo, mas mantinha-se fiel à tradição, dando a entender ainda acreditar plenamente.
   -A mim, pôs no sapatinho, um chocolate, rebuçados e um cachecol quentinho. Dizia a mais nova cheia de felicidade… certa de que só o Menino Jesus sabia o sentido dos presentes…
   Francisca não dizia nada… ou melhor apetecia-lhe dizer exactamente tudo o que viu… contar-lhes que era tudo uma mentira… mostrar-lhes a grande desilusão, fazer-lhes ver a injustiça da realidade tão diferente… mas não disse absolutamente nada.
   Limitou-se a pegar nos pares de meias, e seguiu a direcção do quarto, enfiando-se na cama, pois estava cheia de febre. Apanhou uma forte gripe… Foi a tal recompensa encontrada graças à curiosidade pretendida… Teria sido preferível ficar quieta, e alimentar a incerteza desse desejo tão querido, transformado num desgosto.
   Com o resto da família feliz, não quis estragar essa paz mágica comandando o dia maravilhoso, que matou a sua beldade mesmo antes de nascer.

    Ao vê-la assim, com seu ar tristonho e doentio, sua mãe seguiu-a até ao quarto, como se adivinhasse o que tentava esconder e disse-lhe:
   -Deita-te e fica aí ao quentinho, que eu já te trago uma caneca de chá com mel, para te fazer bem. As palavras ouvidas durante o sonho ecoavam na sua cabeça, como se fossem uma advertência: - partilha com os outros a grande riqueza mantida no teu coração e na tua alma generosa…, porque quem é rico em valores terrestres, é pobre em valores de espírito… e quem mais partilha, mais conseguirá alcançar… porque quem possui um espírito bom e doce como o teu, um dia triunfará... Não desesperes, aguarda calmamente, porque um dia virá a tua vez, e terás a recompensa, a vida é uma espera, e quem tem a virtude em saber esperar, um dia triunfará, acredita.
    Acreditava plenamente, desejava sinceramente ter razão. Estava convicta de que somente o Espírito Santo enviado por Deus tinha a dignidade e o poder de escolher exactamente tudo por nós, embora às vezes parecesse a decisão errada. Então o coração e a consciência de Francisca ficavam mais leves e, na expectativa de estar certa acreditava, ao mesmo tempo que se enchia de amor e tranquilidade.

   Não era nem mais nem menos o texto que Deus lhe sussurrou durante o sonho, o “tal” que ela revivia, e desejava estar certa solicitando de Deus toda a ajuda e energia necessária para seguir em frente. Ao buscar toda a fortaleza adequada às suas capacidades.
    Ela estava certa que teria a coragem e o optimismo para enfrentar as decepções e rasteiras do destino. Graças a Deus que permaneceria sempre com ela. Francisca prometeu isso em pensamento.
    Ela desenvolveria o pequeno grão de optimismo, que Deus lhe plantou no seu “eu” mais íntimo. E estava certa que única e simplesmente Ele tinha o poder, a sabedoria e a obrigação de ler entre as palavras escondidas nos corações.
   Só ele era suficientemente capaz, de nos dar a coragem necessária de despertarmos da lentidão do que nos parece justo, e nos dar a força, para alcançarmos tudo seguindo sempre em frente.
   Até mesmo quando parece impossível, levantamo-nos cada vez que caímos, para seguirmos com mais coragem, pensando que o caminho ficou mais curto. Porque só assim conseguimos superar e descobrir o tamanho da nossa fortaleza e da nossa robustez para depois conseguirmos alcançar “a tal” recompensa merecida.
   E quantas vezes, a nossa coragem é muito mais forte que nós pensamos? Quantas vezes ela fica mais desejável e com isso torna-se mais resistente e corajosa em todos os sentidos. Mais valente que todas as tempestades invisíveis, que por vezes nos tapam os olhos e os ouvidos. Onde, simplesmente nós nem damos por isso… ou melhor… fingimos não perceber o que por vezes nos é: completamente indiferente.
   É preferível viver a maior parte do tempo na completa ignorância, no completo acaso, mas sempre com o nosso objectivo, porque ele é o motor da nossa força, da nossa coragem, e da nossa constante descoberta, embora muitas vezes seja decepcionante.
   Essa força foi uma enorme ajuda para Francisca, quando inesperadamente perdeu seu pai. Num acidente de tractor acabado de comprar, onde era bastante necessário na cooperação dos trabalhos campestres e onde infelizmente ele também perdeu a vida, porque é assim “tudo pode acontecer, em qualquer altura e a qualquer um”. Para morrer basta estar vivo.

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