quinta-feira, 1 de março de 2012

O PERFEITO DO IMPERFEITO parte 31

- Sabes porque é que Deus te escolheu como portador desta doença?
   - Nos escolheu! Porquê? Para pagar-mos pelos outros? - Arrematou ele.
   - Não, porque temos o dom de lidar com isto de uma forma sempre positiva!
   Jaime riu-se e disse:
   - Por vezes o mais difícil consiste em conseguir-mos lidar com a aceitação dos outros a nosso respeito.
   - Muita gente aproveita-se desse facto, para conseguirem o melhor para eles.
   - Podes crer, e aqueles que pensam que a deficiência é toda a mesma? Aqueles que agem connosco como se fossemos deficientes mentais? E
não conseguem distinguir que não há ninguém igual, cada pessoa é um caso!
   - É como qualquer pessoa dita “normal” com as suas necessidades, com os seus defeitos, mas no fundo, somente tem algumas diferenças - Dizia Filipa concordando com ele.
   - Essas pessoas não querem perceber que ao certo são mais deficientes que nós próprios.
   - Quanto a isso, é a pura verdade, muitas vezes as pessoas têm dificuldade em aceitar os próprios erros, e então, simplesmente descarregam nos outros, ou “preferem” ver nos outros, aquilo que é certo “recusarem” em si próprios.
   - Sim, as diferenças existem e sempre existiram cabe-nos a nós avaliar a distância.
   - Mas uma coisa é certa, ninguém é perfeito, todos nós temos as nossas diferenças, sejam elas quais forem, temos é que nos aceitar como tal. Não achas? - Dizia Filipa respondendo ao primo com uma pergunta enquanto ele continuava.
   - Sabes que por vezes a indecisão toma conta de nós. E não sabemos o que é preferível, ou seja, se é melhor continuarmos calados fingindo-nos de surdos e parvos, ou então mostrarmos a nossa opinião, fazendo-lhes ver que não somos tão ingénuos como certas pessoas pensam, embora às vezes seja este o melhor remédio!…
   - É verdade que a maioria das pessoas só querem é mandar, mesmo sem saber como, e só obedecem quando lhes convém.
   - Sabes do que é que estas pessoas sofrem? De uma diarreia mental!
   Explodiram os dois às gargalhadas dando lugar à boa disposição!
  - Essa é que é verdade! Mas esquece isso por agora, em todo o lado é assim… por vezes temos que engolir em seco, seja a má vontade ou as represálias.
   - Na verdade quem fica sempre a perder são aqueles que conseguem ainda ver, ouvir e perceber essas diferenças.
   - Em certas ocasiões também fico magoada pelas injustiças que presencio, mas infelizmente são os ossos da vida… e o que não nos mata… torna-nos mais fortes…
   Filipa mudou de tema à longa conversa que estavam mantendo, mas sabia que tinha fundamento. As relações esfriavam, sempre que fossem confrontados com a verdade. Isto, só porque algumas pessoas se convenciam de que só elas eram peritas em conseguirem fazer tudo, a maioria das vezes, com defeitos, mas o importante era a velocidade.
    Depois de “reviverem” um pouco o passado, de recordarem os amigos que juntamente fizeram mas que infelizmente já não eram, uns porque tinham imigrado, outros constituíram família e por último alguns tinham-nos ignorado. Simplesmente deixaram de se encontrar e de se comunicar.
    Mas Filipa ficou deveras perturbada com as limitações que se apoderavam vagarosamente de Jaime. Ele ainda conseguia fazer um pouco de tudo, mas cada vez com mais dificuldades e cada vez com mais lentidão. As diferenças não eram barreiras, antes pelo contrário eram autênticas provas de fortaleza e optimismo.

   Filipa recorda-se que saiu dali com o coração destroçado, achava injusto quando uns tinham que pagar pelos erros de outros, era assim que pensava. Mas infelizmente tal acontece demasiadas vezes. Ficou também satisfeita por ver o primo contente, já que feliz, era quase impossível.
   Pensou inclusivamente que seria a última vez que o veria, principalmente porque não viajaria mais nessas condições pessimistas, a doença evoluía progressivamente, o que a deixava impossibilitada de se movimentar sozinha.
   Queria também evitar de se confrontar mais uma vez com o estado de saúde do primo, cada vez mais agravado, segundo a sua previsão involuntária.


    Filipa tinha vinte e dois anos, estava na flor da vida como lhe diziam tantas vezes, os olhos enormes, os cabelos castanhos-claros, pelo meio das costas. Continuava linda…
   Ela achava-se atraente, era delgada com um metro sessenta e oito aproximadamente, reflectia beleza e formosura à distância, gostava de se sentir desejada como qualquer outra jovem da sua idade.
Quando estava sentada, havia quase sempre algum rapaz que metia conversa com ela, mandava um piropo ou então a observava de longe, tinha presente que a primeira atracção era a beleza do rosto e do corpo.
   Mas quando tinha que se levantar, tudo ficava diferente e tinha consciência desse facto. A sua limitação física fazia com que todo o encanto daquele momento se partisse em mil pedaços como um vidro quebrado.
 Sentia-se inferior, tudo por causa desse desequilíbrio que a acompanhava a todo o instante.
   Recordou-se que numa dessas noites, alguém lhe mandou um “piropo”, não era novidade nenhuma para ela, se não fosse o conteúdo da frase.
   - Oh boa! Vais bêbada ou vais drogada?
Ela sorriu, não respondeu e até achou graça àquela frase, mas ao mesmo tempo, tocou no enigma mais profundo de si mesma.
Infelizmente era essa a sensação que transmitia, a verdade era outra, mas também já não sabia qual seria a melhor sensação.
    Indesejavelmente Filipa via-se na obrigação de ter que abrir a porta ao desgosto que preencheu a sua existência e, pouco a pouco, acumularia cada vez mais adversidade a todos os níveis…
   Tentava procurar a qualquer custo, uma justificação para apaziguar um pouco a dor torturante que perfurava todo o seu “eu”.

 mais uma parte do meu livro...


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