segunda-feira, 23 de abril de 2012

O PERFEITO DO IMPERFEITO parte 34


Filipa recusava-se a pensar no pior, tentava ignorar o que de mais terrível surgisse na sua memória. Queria e desejava ultrapassar esta fase. Simplesmente ela ambicionava encontrá-lo para seguir o seu sonho.
   Mas no fundo ela também sabia que nada seria como antes, se ele voltasse talvez a ferida cicatrizasse, mas a dor permaneceria lá. No fundo nem os seus sentimentos seriam iguais. Filipa só queria saber o porquê daquela fuga misteriosa.

   Os dias e os meses foram passando, só não passava a mágoa e a agrura que ela sentia e armazenava em todos os sentimentos.
   O Verão estava de novo a chegar e com ele chegou também um pouco da leveza e clareza dos seus sentimentos e a certeza de não voltar a amar como da última vez.
   Foi numa dessas manhãs quando, à sua frente seus olhos avistaram a pessoa responsável pelo desinteresse do seu futuro. Ele estava ali e sorriu-lhe dirigindo-se lentamente na sua direcção.
   Filipa não queria acreditar no que os seus olhos lhe transmitiam, mas ao mesmo tempo desejava ansiosamente que acontecesse. Ela precisava saber as respostas às suas perguntas, há muito pretendidas.
   -Perdoa-me, antes de mais… Tive tantas saudades tuas!!!
   Dizia ele ao abraçá-la fortemente.
   Antes que Filipa tomasse fôlego para pronunciar algo… ou simplesmente recusasse essa intimidade inesperada… beijou-a loucamente. E Filipa correspondeu, fosse o que fosse que tivesse desencadeado esse obstáculo, não importava mais, ele agora estava ali e amava-a. Ela pressentia tais factos, seria por essa simples razão que ele voltou?
   -Que se passou, porque desapareceste tão subitamente, durante tanto tempo?
   - Vem, sentar-te! Vou-te contar tudo!...
   Paulo contou-lhe a verdade sim, mas o conteúdo era muito mais grave do que o que ela alguma vez tinha pensado…
   Paulo tinha a mesma idade que ela, ou seja quase vinte cinco anos, e desde os treze vivia no mundo da tráfico de droga e toxicodependência. Filho de pais separados, sem lhe oferecerem o mínimo apoio, convivendo constantemente com os seus fantasmas e ilusões. Sempre conservou o seu lado atraente, e por tudo isso, eram poucas as pessoas que testemunhavam o lado mais obscuro da sua vida. Com esta idade o vício da droga tinha-se apoderado dele. Por isso foi parar à prisão, pela segunda vez, sendo esse o motivo do seu sumiço. …
   - Sabes que eu vivia na expectativa e na dúvida de te contar a verdade ou te deixar na incerteza! Diversas vezes comecei a escrever-te uma carta, com o intuito de me perdoares, mas depressa a rasgava, a coragem faltava-me, pois nem eu próprio sabia como começar. Mas com a vinda do Santo padre, eu consegui a absolvição… e foi como se recebesse um sinal afirmativo, então jurei para mim mesmo contar-te a verdade, mesmo se depois de saberes a realidade me recusasses. 
   Mostrou-lhe uma enorme força de vontade ao querer desistir da vida passada, sentiu que queria reconstruir algo novo juntamente com ela. Filipa confiou plenamente nele. O véu da segurança e confiança fazia-se notar.
  - Graças a ti, que me mostraste o lado positivo da vida, e isto porque te amo!...
  - Eu também te amo… mas tenho muito medo… e tu vais ter que escolher entre mim e o vício!...
  - Claro que te escolho a ti, não te quero perder outra vez… pretendo encaixar-me contigo no bom sentido da vida… ou melhor, ambiciono que a minha vida faça sentido… ao teu lado!
   Filipa acreditou, mas o receio continuava a acompanhá-la constantemente.

   Filipa viveu o ano mais feliz da sua vida, e inclusivamente o mais preenchido. Filipa e Paulo conviviam muito um com o outro, a confiança e a segurança que ele lhe transmitia reinava, obrigando-a a ceder acreditando plenamente em tudo que ele lhe transmitia, mesmo sem ter provas concretas ou palpáveis, expulsou o lado negativo do seu coração e deixou a satisfação encher de novo todos os sonhos optimistas.
   Paulo falou-lhe do horror que já testemunhou, do pavor que já viveu e recusava-se a passar por tudo novamente. Deu-lhe a entender que estava quase em fase de tratamento. Nesse momento ela deu-lhe todo o apoio moral e possível ajuda.
   Quis oferecer-lhe inclusivamente um anel de noivado, o qual Filipa recusou, pois deu-lhe a entender, ser ainda cedo para tal, o receio ainda não a largara, a força de vontade emanada dele, faziam-na permanecer na dúvida…
   O principal motivo era, o sentir-se amada exactamente como era e pelo que era, mas também o de amar, como nunca pensou ser possível.
   As diferenças já preenchiam custosamente todo o seu corpo. Seria essa a principal razão de Filipa amar também alguém diferente? Seria porque essa pessoa compreendia a mágoa, o sofrimento e a dor da diferença e da rejeição?

   Passado um ano, Filipa ficou pela segunda vez sem nenhum contacto de Paulo. Mas como já era conhecedora da cruel verdade… sentiu muita pena por ele ter deixado fugir a coragem… viu o seu sonho despedaçar-se e o lado positivo do seu coração ficar de novo na escuridão.
   Ao fim de oito dias, recebeu uma carta de Paulo, na qual ele lhe implorava perdão e lhe pedia uma resposta a essa carta, fosse ela qual fosse!
   Filipa respondeu-lhe dizendo-lhe a dura verdade, aquela ditada pelo seu coração, aquela que qualquer pessoa dispensava ouvir, mas também aquela resultante do tormento:
   “- Paulo, por muito que se queira algo, não basta, temos que fazer com que isso valha a pena, e tu foste incapaz. Sei que não me mentiste, deixaste-me acreditar em ti, mas… infelizmente… falhaste… transformaste a minha pouca vontade de viver num completo desgosto e num autêntico fracasso. O único sentimento que ainda broto por ti é pena… pena por seres um falhado, pena porque deixaste evaporar a coragem que ainda emanava de ti.

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