Filipa recusava-se a pensar no pior, tentava
ignorar o que de mais terrível surgisse na sua memória. Queria e desejava
ultrapassar esta fase. Simplesmente ela ambicionava encontrá-lo para seguir o
seu sonho.
Mas no
fundo ela também sabia que nada seria como antes, se ele voltasse talvez a ferida
cicatrizasse, mas a dor permaneceria lá. No fundo nem os seus sentimentos
seriam iguais. Filipa só queria saber o porquê daquela fuga misteriosa.
Os dias e
os meses foram passando, só não passava a mágoa e a agrura que ela sentia e
armazenava em todos os sentimentos.
O Verão
estava de novo a chegar e com ele chegou também um pouco da leveza e clareza
dos seus sentimentos e a certeza de não voltar a amar como da última vez.
Foi numa dessas manhãs quando, à sua frente seus olhos avistaram a pessoa
responsável pelo desinteresse do seu futuro. Ele estava ali e sorriu-lhe
dirigindo-se lentamente na sua direcção.
Filipa não
queria acreditar no que os seus olhos lhe transmitiam, mas ao mesmo tempo
desejava ansiosamente que acontecesse. Ela precisava saber as respostas às suas
perguntas, há muito pretendidas.
-Perdoa-me, antes de mais… Tive tantas saudades tuas!!!
Dizia ele
ao abraçá-la fortemente.
Antes que
Filipa tomasse fôlego para pronunciar algo… ou simplesmente recusasse essa
intimidade inesperada… beijou-a loucamente. E Filipa correspondeu, fosse o que
fosse que tivesse desencadeado esse obstáculo, não importava mais, ele agora
estava ali e amava-a. Ela pressentia tais factos, seria por essa simples razão
que ele voltou?
-Que se
passou, porque desapareceste tão subitamente, durante tanto tempo?
- Vem,
sentar-te! Vou-te contar tudo!...
Paulo
contou-lhe a verdade sim, mas o conteúdo era muito mais grave do que o que ela
alguma vez tinha pensado…
Paulo
tinha a mesma idade que ela, ou seja quase vinte cinco anos, e desde os treze
vivia no mundo da tráfico de droga e toxicodependência. Filho de pais
separados, sem lhe oferecerem o mínimo apoio, convivendo constantemente com os
seus fantasmas e ilusões. Sempre conservou o seu lado atraente, e por tudo
isso, eram poucas as pessoas que testemunhavam o lado mais obscuro da sua vida.
Com esta idade o vício da droga tinha-se apoderado dele. Por isso foi parar à
prisão, pela segunda vez, sendo esse o motivo do seu sumiço. …
- Sabes
que eu vivia na expectativa e na dúvida de te contar a verdade ou te deixar na
incerteza! Diversas vezes comecei a escrever-te uma carta, com o intuito de me
perdoares, mas depressa a rasgava, a coragem faltava-me, pois nem eu próprio
sabia como começar. Mas com a vinda do Santo padre, eu consegui a absolvição… e
foi como se recebesse um sinal afirmativo, então jurei para mim mesmo contar-te
a verdade, mesmo se depois de saberes a realidade me recusasses.
Mostrou-lhe uma enorme força de vontade ao querer desistir da vida
passada, sentiu que queria reconstruir algo novo juntamente com ela. Filipa
confiou plenamente nele. O véu da segurança e confiança fazia-se notar.
- Graças a
ti, que me mostraste o lado positivo da vida, e isto porque te amo!...
- Eu também
te amo… mas tenho muito medo… e tu vais ter que escolher entre mim e o
vício!...
- Claro que
te escolho a ti, não te quero perder outra vez… pretendo encaixar-me contigo no
bom sentido da vida… ou melhor, ambiciono que a minha vida faça sentido… ao teu
lado!
Filipa
acreditou, mas o receio continuava a acompanhá-la constantemente.
Filipa
viveu o ano mais feliz da sua vida, e inclusivamente o mais preenchido. Filipa
e Paulo conviviam muito um com o outro, a confiança e a segurança que ele lhe transmitia
reinava, obrigando-a a ceder acreditando plenamente em tudo que ele lhe
transmitia, mesmo sem ter provas concretas ou palpáveis, expulsou o lado
negativo do seu coração e deixou a satisfação encher de novo todos os sonhos
optimistas.
Paulo falou-lhe
do horror que já testemunhou, do pavor que já viveu e recusava-se a passar por
tudo novamente. Deu-lhe a entender que estava quase em fase de tratamento.
Nesse momento ela deu-lhe todo o apoio moral e possível ajuda.
Quis
oferecer-lhe inclusivamente um anel de noivado, o qual Filipa recusou, pois
deu-lhe a entender, ser ainda cedo para tal, o receio ainda não a largara, a
força de vontade emanada dele, faziam-na permanecer na dúvida…
O
principal motivo era, o sentir-se amada exactamente como era e pelo que era,
mas também o de amar, como nunca pensou ser possível.
As
diferenças já preenchiam custosamente todo o seu corpo. Seria essa a principal
razão de Filipa amar também alguém diferente? Seria porque essa pessoa
compreendia a mágoa, o sofrimento e a dor da diferença e da rejeição?
Passado um
ano, Filipa ficou pela segunda vez sem nenhum contacto de Paulo. Mas como já
era conhecedora da cruel verdade… sentiu muita pena por ele ter deixado fugir a
coragem… viu o seu sonho despedaçar-se e o lado positivo do seu coração ficar
de novo na escuridão.
Ao fim de
oito dias, recebeu uma carta de Paulo, na qual ele lhe implorava perdão e lhe
pedia uma resposta a essa carta, fosse ela qual fosse!
Filipa
respondeu-lhe dizendo-lhe a dura verdade, aquela ditada pelo seu coração,
aquela que qualquer pessoa dispensava ouvir, mas também aquela resultante do
tormento:
“- Paulo,
por muito que se queira algo, não basta, temos que fazer com que isso valha a
pena, e tu foste incapaz. Sei que não me mentiste, deixaste-me acreditar em ti,
mas… infelizmente… falhaste… transformaste a minha pouca vontade de viver num
completo desgosto e num autêntico fracasso. O único sentimento que ainda broto
por ti é pena… pena por seres um falhado, pena porque deixaste evaporar a
coragem que ainda emanava de ti.
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