segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O PERFEITO DO IMPERFEITO 5

CONTINUAÇÃO:


   Lembra-se claramente da noite em que o apanhou em flagrante, ficando ela pessimamente mal, por ser principalmente uma amiga comum. Passeando pelo local onde se tinham conhecido, um pequeno parque meio deserto e meio escondido, onde Helena adorava ver o sol a ceder o lugar à lua com a cor avermelhada, assim nascia o crepúsculo, uma beleza que durava apenas uns minutos…
   Ouviu uns pequenos sussurros, espreitou com receio e preocupação, do que poderia dali surgir, deparou-se com dois seres bem conhecidos e muito entretidos. Interrogou-se se devia desviar-se para simplesmente deixá-los à vontade? Negar-se a interromper o que já estava interrompido? Ou mostrar a raiva que a consumia?
    Recorda-se exactamente do choque e do desconforto sentidos, da enorme ferida invisível que abria cada vez mais no seu intimo, da dor que procurava um encosto, e assim enterrava-se sempre mais fundo no seu coração, despedaçando-o completamente.
   Helena sem pensar duas vezes, retoma o caminho do esconderijo, de onde surgiam os murmúrios e tentando manter a calma, diz:
   -Boa noite importam-se de fazer menos barulho?
    Primeiro reinou o silêncio! O qual aproveitou para não deixar escapar a coragem armazenada pelo ódio, e sem dizer mais nada, rodou nos pés e saiu daquele local.
    Recorda-se indesejavelmente dos rostos colados, do ar espantado e de admiração lançado por eles. Lembra-se nitidamente do desgosto que a deixou inactiva até para respirar, da humilhação rejeitada pela sua consciência, da mágoa que recusava experimentar, da traição que humilhava todos os seus sentimentos e principalmente da raiva amarga que comandava todos os seus gestos.
    Ela simplesmente não queria acreditar no que os seus olhos acabavam de presenciar, recusava-se simplesmente a abrigar aquelas desastrosas imagens, aquelas que involuntariamente ficariam guardadas para a eternidade.
   Helena suficientemente humilhada e despedaçada pensou e repensou no que seria obrigada a fazer. Estava decidida a por um ponto final na relação que não chegou a amadurecer o necessário.

    No dia seguinte, depois de se olhar ao espelho, e ver a sua imagem nele reflectida… pálida e triste, os olhos inchados, com um brilho de desespero, denunciavam bem ter passado a noite em claro e a chorar.
   Paulina vendo-se na obrigação de uma atitude digna, mostrando não ser tão cobarde como demonstrara, veio ao seu encontro para tentar explicar o que aconteceu nessa noite sem encontrar explicações capazes ou viáveis.
    Helena simplesmente não amoleceu, estava decidida a terminar essa relação traidora. Sabia que para Paulina, era apenas mais uma “aventura,” unicamente isso e nada mais, pois sempre viveu em função da excessiva libertinagem, aproveitando-se do partido que pudesse tirar dos homens que lhe surgissem, saboreando assim os sentimentos da palavra libertação.
   Ao contrário de Helena, ela não deixava os sentimentos agirem. Vivia cada dia como se fosse o último, o primeiro pensamento ou impulso era o que verdadeiramente contava para saborear e avaliar o principal conteúdo da vida, facto que não a impedia de ter razão, porque a importância da liberdade derivava exactamente desses únicos momentos instantâneos.
    Olharam-se mutuamente e sem encontrarem palavras para se dizerem uma à outra, Helena desviou os olhos para a paisagem ao lado, a rua que se estendia para além dos vidros da janela, fixou inclusive, os olhos nos cortinados de cores vivas, ás riscas vermelhas e brancas, e com o ar abatido deixou Paulina explicar-se.
    -Não fiques assim, não te deixes abater, eu também não queria que isso acontecesse mas aconteceu… não dês razão ao primeiro desgosto… não deixes que esta decepção abale a tua busca de felicidade, vais amar ainda mais e melhor, acredita, a vida não se minimiza a isto!
    -Mas justamente comigo Paulina? Depois dizes que és minha amiga? Amigas como tu, prefiro não as ter! Alguém que eu amava? Porquê?...
    Perguntou-lhe Helena, com a desilusão à flor da pele e o ódio a transbordar, levantou o olhar e esperou que ela lhe respondesse, Paulina respondeu:
    -Desculpa mas não te queria magoar, talvez o meu maior defeito seja a franqueza da impulsividade. Primeiro porque sou e vou continuar a ser tua amiga, a menos que não queiras.
    Helena ouvia atentamente, ate parecia que a aconselhava encarando a realidade, algo que se calhar até continha a sua razão...
    - Segundo porque vais amar mais e melhor, eu recuso-me a ver-te desperdiçar a tua juventude como se não houvesse mais nada neste mundo… e ainda por cima com alguém que não merece o teu amor… - Paulina depois de fazer uma pausa, continuou… - E terceiro ele quis conquistar-me e eu não resisti, foi o meu maior erro, mas se não fosse eu… seria outra… isso te posso garantir, ele não vale nada...
   Por muito que recusasse aceitar este desgosto, por muito que lhe custasse acreditar nesta decepção, Helena sabia quem tinha razão. Quem melhor que Paulina conhecia os homens? Quem melhor que Paulina sabia o significado do egoísmo? Por muito que lhe custasse admitir, infelizmente assim aconteceu…

   O primeiro grande amor foi despedaçado e enterrado juntamente com a primeira desilusão e o primeiro grande golpe nos sentimentos mais activos… Talvez no lugar mais profundo da sua intimidade, onde nasciam as coisas mais belas que queriam habitar permanentemente no coração e na memoria.
   Mas a ferida recusava-se a cicatrizar, de tão profunda que foi marcada. A afeição, o respeito e a consideração sentidas, por ela, em relação a eles, desmoronou-se pouco a pouco, bloqueando a bondade e a amizade, que ainda lá pudessem existir.
   Fazendo um grande esforço para esquecer… ou melhor, virar esta pagina do livro da sua vida… porque esquecer era impossível, sabia que cada etapa passada, sendo ela desejável ou não, cada pequeno passo servia unicamente para aprendermos cada vez mais, melhor e sempre válido.
    Talvez no fundo, tudo o que a vida nos ensina é: tirarmos daí o melhor partido… e inclusivamente chegarmos à conclusão, de que cada episódio imprevisto serve apenas para melhor lhe retirarmos proveito, ou onde, no final de cada curva do nosso caminho ponderamos os passos, mais ao menos, validos do próprio trajecto.
   Após esta tragédia, todos os valores espirituais que Helena tentava a todo o custo germinar e manter puros no íntimo dela… nunca mais seriam os mesmos… justamente porque nada seria igual. A dupla traição perturbava e sujava todos os actos praticados e sentidos, que ainda pudessem florescer.

   Sim, porque a partir desse instante, a estima e o carinho evaporavam constantemente, por mais que quisesse ultrapassar esse capítulo era impossível, pois tinha ficado muito magoada, até no amor-próprio, conservando assim a inumanidade e o sabor perverso da derrota.
  Se calhar era esse o principal motivo, ao preferir ter uma amizade do sexo oposto. Simplesmente porque Helena percebia que entre mulheres havia sempre uma pontinha da inveja espreitando. Havia sempre rivalidade entre elas e geralmente não suportava esse desafio silencioso, esse ciúme traiçoeiro. E o segredo consiste exactamente em não ceder, nem nos deixarmos naufragar na fortaleza das ondas do desespero, da amargura e das dificuldades.
    Mas, principalmente saber que nada acontece em vão, nada aparece por acaso. Nós próprios temos a responsabilidade de lhe atribuir o devido valor, ou seja a lição valida, aquela que soubemos beneficiar com a derrota, “ porque o segredo da vida consiste exactamente em: nunca desistir”.






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