domingo, 7 de novembro de 2010

O PERFEITO DO IMPERFEITO 10ª parte

   Mas principalmente aprendeu, que em tudo existe uma servidão para cativar a vida. Simplesmente porque a vida é a única e verdadeira escola. E quem não conseguir ver ou saber isso, pouco tem a ganhar.
    Mas como saber? Se a vida é uma carta selada? Como aproveitar tudo o que está certo ou errado? E como prever se fizemos a escolha acertada? Como saber que exploramos o verdadeiro caminho? Ou seguimos na direcção certa? Será que a possibilidade de um dia alcançar a felicidade existe?
    Helena sentia-se uma autêntica aprendiza da vida. Interrogava-se várias vezes tentando conformar-se em aceitar a sua triste sorte. Ela queria acreditar no que ela própria se dizia, e assim tentava enganar-se ao confiar plenamente na intuição de agora ser mais feliz.
   Ela esforçava-se em ajudar para depois saborear o resultado. Mas principalmente apreciava e admirava esse gesto nobre. Gostava de se sentir útil valorizando plenamente essa dedicação com optimismo e vaidade, pois a vontade em satisfazer os desejos alheios ajudavam-na a concretizar um pouquinho do seu próprio sonho, aquele aprisionado nela saltando-lhe do coração.

   Conquistou facilmente a simpatia de alguns, outros recusavam-se simplesmente a mostrar o pouco de afecto que ainda continham e podiam partilhar. Mas a revolta sentida era a principal culpada, impedindo apenas essa pequena manifestação, que era ao mesmo tempo dificílimo para alguns demonstrarem. E assim só se enterravam cada vez mais no abismo.
   Mesmo assim Helena tentava entende-los, ela procurava encontrar uma solução, dizendo-lhe que infelizmente existiam casos piores, casos sem remédio nenhum, só para os aliviar um pouco do peso bruto do silêncio. Mas a força de viver já não morava ali.


   Helena esperava sem saber o porquê… padecia sem encontrar razões para este sufoco… vivia completamente desesperada e estava certa que a vida era e “é” uma longa espera… Onde apesar de tudo vale a pena viver, mas principalmente saber viver. Era esse o verdadeiro e principal motivo dela continuar a batalhar contra este desgosto, o de não se deixar naufragar, como tantas vezes quase se deixou afundar nas ondas do pessimismo, o de ela resistir e acompanhar sempre a certeza de um amanhã melhorado.
   Tentava encontrar forças na injustiça onde tantos pagavam os erros de outros. Onde tudo o que via era verdade e onde infelizmente a saúde se recusou a habitar. Talvez fosse essa a razão do seu maior sofrimento... O de manter a mente totalmente lúcida... Completamente sã, assim permanecia ela… mas unicamente nos pensamentos e sentimentos, a única coisa que realmente lhe pertencia, e que ela fazia intenção de continuar a preservar.
   Por vezes perguntava-se a si própria, se não seria mais fácil se ficasse alheia no tempo. Completamente perdida e fora do mundo actual, mas sim num mundo inventado e construído “pelos mesmos”, sem existir tempo nem medida, sem existir dores nem prazeres, sem existir emoções nem fracassos… talvez fosse mais claro de conquistar a felicidade… ao ficar no estado em que muitos se encontravam… vivendo exactamente como eles num mundo emprestado à realidade… unicamente habitado por sonhos e felicidades… será que era esse o recheio? Será que não havia objectivos para nada? Será que o imprevisto era só e unicamente constituído por acasos e por coincidências? Construindo a sua felicidade com simples coisas? Pelo menos assim não pensava nos pequenos problemas, quase sempre dificílimos… não enfrentava as complicações do dia a dia, nem procurava perceber as pequenas “grandes” diferenças.
    O que para muitos se transformavam em enormes dificuldades eram facilmente aceitáveis para a maioria, quanto aos outros, eram simplesmente complicadíssimas.
   Helena concordava plenamente com uma pessoa que… tendo ela uma certa deficiência mental, não deixava de ter inteiramente razão, ao dizer… “cada um é como é!... Pois cada pessoa tinha a sua diferença, embora muito parecida em certos aspectos... nunca nada era idêntico, por esse motivo, todos diferentes e todos iguais.
   A diferença reside justamente aí… nas pequenas diferenças…? Nos pequenos incidentes ocasionais, onde por vezes se tornam demasiadamente desagradáveis, nos percalços do dia a dia. O que muitas vezes se pensa ser desnecessário para a maioria é absolutamente necessário para outros.
   Por vezes basta um pequeníssimo jeito, e logo se concretiza uma enorme vontade. E era esse simples gesto cheio de boa vontade, que diversas vezes afugentavam esse mau estar tão incomodativo.
    O ditado diz que “mais vale o jeito que a força” e ela aprendeu isso e a aceitar essa verdadeira realidade que na maioria das vezes se transforma num verdadeiro pesadelo.
   Porque só quem vive isso na pele, é quem sabe dar o valor e aprende a valorizar o que na maioria das vezes é tão simples.

     Cativou a doçura e o carinho de uma velhinha com os oitenta e poucos anos que conquistou involuntariamente a doença de Alzheimer. Sempre que a via ia ao seu encontro para lhe dar um beijinho, cheio de simplicidade, como uma criança. Foi infelizmente o primeiro e último lar, pois o seu caso já estava bastante adiantado.
   Era como se navegasse no tempo, deixando-se ir ao sabor das marés. Onde, de vez em quando, surgiam recordações do passado que ela tentava projectar para o presente. Esquecia-se constantemente das coisas, insignificantes no geral, mas que para ela “sem o saber” tinham um grande significado e um grande valor moral, coisas como por exemplo seu nome, se era casada e se tinha filhos, etc…
   Helena era considerada por ela como sua neta, e sentia-se feliz com tal facto, por conseguir agora a avó que não teve, por isso lhe dedicou este poema…





         Minha avó emprestada.



    Tuas palavras ditas ao acaso… cheias de ternura e por vezes banais… em frases tão insignificantes e que faziam a alegria sobrepor-se à tristeza…

    Teus gestos tão simples… carregados de doçura faziam renascer a bondade… tantas vezes perdida ou deixada escondida…

    Teus beijos e abraços carinhosos… faziam-me lembrar a avó que infelizmente não conheci… mas tantas vezes imaginei…

    Tua pele enrugada pelas ondas do tempo… mostrava ainda a sabedoria que restava dos tempos longínquos…

    O teu sofrimento acabou, deixaste esta vida…

    Mas não deixarás nossos corações… nem o nosso pensamento…

  Simplesmente porque nós não deixamos… minha avó emprestada…




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