terça-feira, 30 de novembro de 2010

O PERFEITO DO IMPERFEITO 12ª parte

 continuação do meu livro...

   Tendo idade de aprender a fazer um pouco de tudo, era também um privilégio para Francisca, pois ela gostava de aprender descobrindo. Achava sempre a maneira mais prática e mais segura, procurava o caminho ou o atalho mais útil e criativo, mas principalmente e obrigatoriamente o mais económico.
   Corria com o vento ou contra ele, apanhando Joaninhas, Borboletas ou Gafanhotos só para sentir o prazer de ter conseguido alcançá-los, e sem os magoar rendia-os de novo à liberdade. Rolava-se na relva dos campos por entre as ervas campestres, deixava entrar o ar emanado da terra, das flores, um perfume único que nascia do sossego existente naquelas terras. Francisca enchia os pulmões desse ar tão puro e misturado de aromas únicos que provinha daquelas maravilhosas serras em época Primaveril.
   Por vezes ficava deitada, depois de se tranquilizar ao verificar que o caminho estava desimpedido de qualquer bicharoco, entregava-se à tranquilidade para unicamente apreciar a brisa a segredar com o silêncio, ou a ver passear as nuvens, por vezes muito leves dissipando-se logo, mas outras vezes mais carregadas e escuras deixando escorregar algumas gotas de chuva, para simplesmente refrescar o ar e baixar a poeira.
   Lembra-se de passar horas esquecidas a sonhar acordada e a contemplar as nuvens que se transformavam em tudo um pouco, desde castelos de contos de fadas a vestidos de noiva, onde escolhia aquele que seria o seu preferido. Passando por todos os tipos de animais recorda-se que uma vez até o rosto do Menino Jesus, na cruz, ela viu. Pareceu-lhe exactamente que ele a chamava, e ela sentiu vontade de responder ao seu apelo.

   Francisca caminhava no campo, sempre com bastante cuidado e receio de ver surgir alguma cobra ou lagarto. Buscavam alimentação ou simplesmente um lugar para tomar banhos de sol, tal como no meio das giestas ou rochas, sendo algo habitual pois várias vezes já as tinha encontrado, desviando sempre o seu caminho. O medo e o respeito obrigavam-na a um percurso maior, mas não importava, pois as histórias que ouvia sobre esses répteis, faziam-na realmente sentir pavor.
   Aquela horrível história que surge sempre à superfície da sua imaginação, “ de um homem que ao descansar debaixo de uma árvore, adormece com a boca aberta, quando repentinamente a cobra lhe entra goela abaixo, o acorda e em vão tenta puxá-la, mas o animal deliciava-se com o seu interior…”. Se foi realmente verdade ou mentira, nunca saberá.
   Conseguia distinguir as diversas vozes dessa fantástica natureza, como ouvir a canção da água passeando nos ribeiros onde dançava com as pedras brancas de tão lavadas pelo balançar da água. O bafo da brisa morna à conversa com as flores das árvores, elogiando os seus rebentos com os frutos prestes a saírem do seu casulo, espreguiçava-se e sacudia a moleza que ainda restava dos dias menos quentes e inapropriados para o renascimento.
   Adorava subir ao cimo das árvores. Assim podia conversar melhor com os passarinhos e ver os seus ninhos construídos e escondidos por eles. Estes protegiam os filhotes dos olhares e das mãos alheias cada vez que eram obrigados a abandonar a casota indo caçar e matar a fome aos recém-nascidos. Ou simplesmente para lá do alto, sentir o sopro suave da brisa acariciando-lhe o rosto. Para ela este era o único e verdadeiro sabor da liberdade.

    Era logo no princípio do mês de Abril, altura em que as primeiras flores queriam espreitar fora das suas prisões, para mais facilmente respirarem o ar puro. Era a altura em que se ouvia a canção do “cuco” a ecoar por todo o lado e em todos os campos. Francisca gostava imenso de o ouvir, então desafiava-o… parecendo que ele a escutava… pois respondia sempre ao seu apelo. Era também nessa estação do ano que nasciam as suas flores preferidas, sendo bastante simples e muito lindas, apenas com seis pétalas amarelas em cima de um pé bastante frágil.
   Francisca desconhecia completamente se existia outro nome, mas para ela sempre será “ flores de cuco”, simplesmente porque nasciam na altura exacta em que o cuco despertava e anunciava a Primavera. Com o seu assobio maravilhoso dava a impressão de saírem da terra só com o seu chamamento.
   Gostava de ter sempre a casa perfumada e decorada com flores campestres e multicores. Com o cheiro característico da liberdade e da natureza.
   Muitas vezes ia com a sua mãe ou irmã levar o almoço ao pai ou irmão, que trabalhavam nos campos, pois aproveitava sempre a oportunidade de apanhar um lindo ramo muito colorido.
   Com malmequeres brancos ou amarelos faziam colares para se enfeitarem nas ocasiões de festa. Com as papoilas faziam bonequinhos. Com bastante cuidado dobravam as pétalas para trás, pois era uma flor muito frágil.
   Francisca agia pura e simplesmente como uma mulher em ponto pequeno. A mulher que ela aprendeu a ser, ansiava dominar e inclusive que ela queria conquistar, com organização e coragem.

   Chegava o tempo das cerejas, Francisca deliciava-se com elas, sendo brancas, vermelhas ou pretas não importava, eram todas muito saborosas. Então subia ao cimo das cerejeiras para as apanhar e saborear com prazer. Colhia-as e enchia a cesta para sua mãe fazer o tão apreciado doce. Gostava também de fazer “rocas” (uma espécie de arranjo com uma cana rachada e com cerejas duplas na extremidade) para durar mais tempo e saborear devagarinho a idade de permanecer criança.
   Pouco tempo depois chegava a época das amoras, as silvas cresciam por todo o lado dando origem a esse fruto tão pequeno e tão delicioso.
   Francisca oferecia a si própria a oportunidade de desfrutar e saborear instantaneamente essas delícias que deixavam sempre marcas pelo corpo, pois as silvas possuíam picos finíssimos que mais pareciam garras ou agulhas. Mesmo assim nada a impedia de procurar nos locais onde as amoras abundavam, mas para alcançar o gosto e o prazer dessa recompensa, valia o sacrifício.

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