quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O PERFEITO DO IMPERFEITO (11ª PARTE)

 Aqui publico a segunda parte, ou historia, do meu livro, que ainda nao tive a sorte de ver públicado. Pois, é com muito horgulho que o publico no meu blog, dividindo estas histórias reais com quem apreciar...
                             
    Era uma vez uma criança chamada Francisca


   Chamava-se Francisca, tinha nove anos de idade e era a segunda mais nova de uma família de seis irmãos, tendo o mais velho: vinte e um anos e a mais nova dois.
    Ela possuía uns belos cabelos espessos e louros repletos de caracóis, como não existia em mais nenhuma cabeça daquelas redondezas. Usava quase sempre totós feitos por Júlia, a irmã mais velha que também confeccionava “vestidos novos” com roupas usadas.  
    A disponibilidade quase sempre obrigatória de pôr em prática as palavras, como “poupança” e “aproveitamento”, eram importantíssimas, por isso aprendeu sempre a usá-las e pô-las em movimento.
   Era o tempo em que tudo tinha utilidade, bastava um pouco de imaginação para conseguir algo novo com restos velhos. No tempo em que a orientação era a principal aliada. Na época em que qualquer oportunidade era um óptimo empreendimento. E principalmente, porque era a temporada em que a simplicidade era o recheio mais valioso da vida.
   O desejo de seu pai foi meio satisfeito, pois queria muitíssimo, um segundo rapaz ao “fechar a porta”. Foi inesperadamente confrontado com mais uma menina, não deixando a oportunidade em vão ofereceu a si mesmo a possibilidade de concretizar o seu desejo.
    A satisfação de baptizar a sua querida menina com o mesmo nome o qual também lhe foi deixado como “única herança”, não foi uma completa decepção, pois ficou Francisca sendo ele Francisco… o mais velho herdou o nome do avô em sua homenagem, “José Henriques” era o pastor do rebanho… assim se dizia em Serco, sua aldeia bem amada e única conhecida.

   Tinha uma paixão, ou melhor tinha várias, resumidas numa só. Era apaixonada pela vida… sim, amava viver… sentia-se feliz simplesmente por estar viva, poder assistir e desfrutar das brincadeiras de criança que iam descobrindo e imaginando.
    Prezava a liberdade e tudo o que nela existisse, mesmo sabendo que tudo tem o seu limite, mesmo sabendo que o tempo tudo muda, mesmo sabendo que a oportunidade de exibir a sua fama ia-se desfalecendo, exactamente como uma flor desvanece, depois de mostrar todo o seu esplendor e morre pouco a pouco.
   Pois adorava sentir cada minuto, cada segundo o sabor dessa maravilhosa natureza conhecida. Além disso sentia-se com imensa sorte em poder aproveitá-la. Em não conquistar a incapacidade, como aconteceu com o filho de um casal de primos afastados.
   Era o terceiro e último filho “de uma família de cinco irmãos” e também ele herdou a doença genética (na altura desconhecida) dos seus antepassados, sim, porque as doenças hereditárias podem estar presentes até à sétima geração. E foi o que aconteceu infelizmente.
   Sempre de bom humor, Francisca distribuía sorrisos e fazia tudo para que o pessimismo não tivesse hipóteses de entrar na comunidade do dia a dia. Muitas eram as vezes em que saia pelos campos vestidos e banhados pelo sol Primaveril. Floridos de quase todas as cores e perfumados pelo ar já aquecido da brisa pura da Primavera. Mas sempre acompanhada, seja pela mãe ou pelas irmãs, Elisa e Rita, mais velhas, de três e seis anos, para aproveitarem o tempo e fazerem alguns pequenos trabalhos. Juntavam o útil ao agradável pois era sempre necessário.

   Havia sempre algo a fazer pelo longo do dia, a questão era querer… regava sempre a pequena horta ao final da tarde… sendo para ela um prazer… pois existia sempre o privilégio da recompensa.
   Não resistia em arrancar uma cenoura ainda tenrinha, e acabada de nascer saboreando-a a com satisfação, depois de a lavar nas águas puras da nascente, tirando-lhe a terra contida em excesso.
   Ao sentir a frescura desse liquido milagroso, saído da mangueira, correndo sobre os pés descalços, ficando assim “em lama que ela patinhava com gosto” e direccionada aos rêgos feitos para esse mesmo efeito.
   Absorvia-se na terra e saciava a sede às alfaces, cenouras, feijões, tomates etc… acabados de nascer.
Satisfazia assim o que estava ressequido nessa tarde quentíssima do final de Primavera.
   Gostava de sentir o sabor “agridoce” na sua boca, o que certas ervas, plantas ou legumes continham, pois além de ter a vantagem em ser saudáveis, tinham esse gostinho que Francisca apreciava.
   As “azedas” como seu próprio nome indica… eram azedas… uma erva que escolhia nascer e expandir-se à sombra, em locais frescos e sombrios, por isso, sabia tão bem comê-las, frescas, saborosas e tenrinhas sob o calor abrasador, assim eram definidas por ela.
   Era com grande empenho e fazendo sempre questão, em acompanhar sua mãe ou irmã mais velha, irem lavar a roupa para o ribeiro que passava ali perto. Algo que apreciava porque estando a ajudar na labuta também se sentia conquistada pelo prazer da água fresquíssima e sempre corrente acariciando-lhe e refrescando-lhe os pés e pernas.
 
   Francisca apreciava passear descalça na margem do riacho sobre as ervas e os pedregulhos já gastos da água frequente. Sempre com algum receio de sucumbir à vontade das tardes quentes e secas, que convidavam a mergulhar nas suas águas tranquilas e puras, passando por entre as rochas chamavam o desejo de ceder a tal tentação. Mas o medo aprisionado dentro dela era maior, e por enquanto era preferível mantê-lo assim, mandando a vontade embora.
   Em finais de Outubro do ano anterior, numa tarde tranquila como quase em todas as outras, apanhou um dos maiores sustos vividos até então. Tudo aconteceu em questão de segundos, sendo eles suficientes para roubar uma vida, ou duas.
   Estando uma tarde ainda quente e abafada, naquele dia com restos de calor acumulado durante o Verão, Francisca brincava rabiscando e chapinhando na água, juntamente com sua prima da mesma idade. Na beira do tanque onde jorrava uma fonte de água fresca, pura e saudável capaz de satisfazer a sede a quem a procurasse. Recorda-se única e simplesmente, de escorregar e, ao agarrar-se à prima caírem as duas na água fria, lembra-se de se sentir engolida por ela, mas também forçada a engolir bastante contra vontade. Lembra-se optimamente bem do acordar… da tosse quase sufocante… a água era vomitada dos pulmões… Completamente encharcada e fria, tremia sem saber se era frio ou medo … pois sua mãe, ora a abraçava, ora lhe gritava… e foi assim que Francisca ficou com o trauma da água para o resto da vida.

continua...

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