terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O PERFEITO DO IMPERFEITO (15ª PARTE)



   Francisca tinha completado os dezasseis anos de idade três dias antes do casamento de sua irmã Júlia, a mais velha das irmãs, com diferença de dez anos. Depois de se mudarem para a vila, o casamento que vinha sendo adiado há já oito anos, simplesmente porque ela recusava deixar sua mãe viúva, doente e com três filhas ainda menores, foi finalmente concretizado. 
   Nessa manhã, recorda-se como se fosse hoje, de ter subido a uma cadeira para alcançar uma jarra antiga, quando repentinamente se desequilibrou e quase caiu ao deixar escorregar a jarra das mãos. Mas, graças a Deus ficou intacta, só serviu para ficar demasiado assustada a todos os níveis, pois era uma linda peça. Uma peça única deixada pelos seus antepassados.
   Lembra-se depois, de ter ajudado a enfeitar a mesa para o almoço, com uma jarra repleta de Japoneiras, e uma outra com mimosas de cor e cheiro intenso muito agradáveis, pois estávamos em Maio, o tempo delas, e além disso faziam um óptimo arranjo, cheio de alegres tons.
   Depois de tudo pronto, e juntamente com a sua irmã mais nova, dirigiram-se à capela para assistirem à linda cerimónia, junto dos restantes convidados. Francisca olhou em volta, durante todo o caminho que a levava à igreja, somente na expectativa de avistar o seu “bem-querer”, mas em vão. Chamava-se Miguel, era um ano mais velho que ela tinha pele morena, cabelo liso e negro sobressaindo lindamente na camisa branca que usava diversas vezes. Conheceram-se na escola uns meses antes, logo a seguir à mudança para vila.

    Depois de se instalar no lugar reservado, junto de sua mãe e irmãs, admirou a naturalidade que embelezava a capela. Estava decorada de forma muito simples apenas algumas rosas vermelhas e lírios brancos a enfeitar o altar. Na parede branca do fundo da sala, aquela em que se encontrava na sacristia, permanecia exposta a grande gravura de Jesus Cristo “o bom pastor”, com um cordeiro ao colo. Sentíamos um enorme encanto, porque é justamente nas coisas simples que a beleza se encontra escondida. Francisca apreciava a noiva, a sua querida irmã envergando um lindo vestido branco, com um longo véu e um ramo constituído por três camélias na mão. A noiva dirigia-se lentamente para o altar onde se encontrava o futuro marido ansioso.
   Francisca sentia-se a meio de um sonho, no entanto sonhava acordada, interrogava-se quando e como seria a sua vez. Quando o seu olhar procurou e encontrou lá bem ao fundo o primeiro amor, o seu coração deu sinal. Uma lágrima de contentamento escorregou-lhe dos olhos, ao sorrir-lhe cheia de emoção e felicidade.
    Mas quando Francisca desviou um pouquinho o olhar, repentinamente os seus olhos ficaram mais tristes, ao reviver o pequeno acontecimento ocorrido algumas horas atrás, quando se deparou com o pequeno Tino, lá sentado e tão seguro de si, ninguém dizia que alguma doença habitava nele.
   Sentiu um arrepio de medo e um aperto no coração, mas tentou tranquilizar-se ao dizer-se que foi unicamente do nervosismo e da excitação à flor da pele.
   Pela segunda vez no mesmo dia, ela teve medo, sentiu-se cambalear, quando ao descer as escadas da pequena capela, se viu obrigada a encostar-se à irmã mais nova, que ia com ela. Francisca teve a sensação de ser empurrada por alguém invisível, mas pensou imediatamente que poderia estar relacionado com a agitação do actual evento.

   Esse dia maravilhoso passou. Mas ela continuou com a cabeça cheia de dúvidas e receios. Por mais que se recusasse a aceitar, ela vivia na expectativa do acaso, pois pouco a pouco, foi-se apercebendo da falta de equilíbrio cada vez mais acentuada no seu corpo. Em coisas fáceis, banais, talvez até insignificantes para a maioria, mas que para Francisca eram importantíssimas.
    Na escola, em casa ou em qualquer outro lugar, e sempre que se encontrasse acompanhada, evitava fazer algo que despertasse a atenção dos outros ou acentuasse ainda mais a sua dificuldade em manter o equilíbrio. Evitava mostrar o que seria inevitável. Pois ela era a primeira a sentir-se tímida, envergonhada e diminuída com o actual facto de alguém poder reparar e rir-se dela, por curiosidade ou simples coscuvilhice…
   Foi no dia em que completou os dezassete anos, numa tarde em que chovia torrencialmente, que Francisca, antes de entrar em casa completamente encharcada, teve a maravilhosa visão do seu príncipe encantado igualmente molhado e sozinho, coisa raramente habitual. Calmamente dirigiu-se a ela, e sem dizer nada, olhou-a fixamente, com um brilho nos olhos, acariciou-lhe o rosto e beijou-a suavemente. Ela fechou os olhos, ao sentir a aproximação dos rostos, foi o seu primeiro beijo, tão meigo e cheio de carinho…
   -Vi-te sozinha, a passear à chuva, e tão linda com a roupa colada ao corpo apeteceu-me vir ter contigo. Fiz mal? - Perguntou-lhe ele.
   -Não - Respondeu-lhe ela envergonhada e com um estranho calor a subir em direcção à cara. - Bom, vou mudar de roupa que estou com frio.
   Ao fechar a porta sorriu de encantamento, e sua mãe ao vê-la assim com um ar tão feliz e corada perguntou-lhe o que se passava. -“Nada”, disse-lhe ela, continuando o seu caminho em direcção ao quarto. Sua mãe sorriu e sem dizer mais nada, pareceu adivinhar o seu segredo, deixando-a seguir.
    Deitada em cima da cama, Francisca fechou os olhos e sorrindo reviveu a doçura do momento. Que romântico… dizia-se ela embalada nessa magnífica lembrança…nesse momento inesquecível encantado e apaixonado… Miguel tinha ido falar-lhe e beijou-a pela primeira vez, que óptima prenda, ainda conseguia aprisionar o gosto dos lábios juntamente com a chuva morna da Primavera, algo que ela adorava fazer, passear sob a chuva, que romântico, que privilégio, como ela se sentia feliz, Francisca ansiava por isso desde o dia em que reparou nele.

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