sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O PERFEITO DO IMPERFEITO parte 28


 Um dia, depois de assistirem a um comentário televisivo sobre o aborto, abriu-se a conversa sobre esse assunto, Francisca e Helena deram a sua opinião, depois de ouvirem Filipa contar a sua experiência e versão dos factos.
   Passado um mês, depois dos enjoos repetidos diversas vezes, da falta do período e da insistência da única amiga, decidiu fazer o teste de gravidez. O qual infelizmente deu positivo.
   Filipa continuava o seu comentário e, ao mesmo tempo que expunha a sua história, parecia recuar no tempo.
   Lembra-se de que se recusava aceitar esta certeza, mas a verdade permanecia no seu ventre, ela tinha que decidir instantaneamente o seu amanhã, pois a sua gravidez tinha quase três meses de gestação.
   Parecia-lhe impossível, ter de confrontar-se agora com mais este “obstáculo”. Deus não podia dar-lhe agora a oportunidade de escolha, não agora, sem ter nada definido, nem ela própria.
    Sofia, a melhor amiga e colega de Filipa no momento, a pessoa que se aprontou a dividir o quarto com ela, era já conhecida desde os tempos de escola. Foi quem lhe conseguiu um trabalho junto dela, a única pessoa por quem sentia verdadeira amizade, e quem a acompanhou à clínica particular para fazer o aborto. Filipa, conseguiu esconder à sua amiga, de quem estava grávida, foi muito complicado, mas conseguiu omitir a realidade. Simplesmente porque não pretendia criar mau ambiente, nem falar mais dum assunto que já estava morto!
    Filipa percorreu todo o caminho de ida para a clínica com a indecisão à flor da pele, desabafava ao mesmo tempo que pedia conselhos a Sofia.
   - Eu acho que me vou arrepender, eu queria tanto um filho só meu… mas também me recuso pô-lo no mundo para sofrer … como me aconteceu a mim… e ainda por cima agora, sem condições nenhumas.
   - Não te culpes, vais ficar mais tranquila e mais liberta, verás, depois vais conseguir outras oportunidades, deixa lá que ainda vais ter sorte… além disso acho que agora seria uma péssima altura e tu tens consciência disso!… pois as condições são mínimas mesmo para ti quanto mais para teres um filho… não penses mais nisso… acho que tomaste a decisão certa… Dizia-lhe Sofia com a calma do costume e com um sorriso ofuscado pela dor que provoca no coração de qualquer mulher.

   Recorda-se bem que apesar da anestesia, as dores eram horríveis… eram como se lhe remexessem e desapegassem algo dentro de si mesma… sentia como se lhe aspirassem o seu “íntimo”.
   Passados uns largos minutos, depois de se recompor, pagou com o dinheiro que Sofia lhe tinha emprestado. Só porque Filipa ainda não tinha recebido o seu vencimento, pois estava a trabalhar há apenas quinze dias.
    Ao saírem daquele lugar ao qual não desejavam mais voltar Sofia foi surpreendida pela sua amiga Ana. Dirigiram-se as três à pastelaria que se encontrava do outro lado da rua, com intenção de se alimentarem, o que Filipa tinha acabado de fazer tinha-a desgastado completamente, pois ainda não tinha comido nada.
   Ana era a amiga íntima de Sofia, viviam há dois anos em união de facto, amavam-se simplesmente … dividiam quase tudo embora vivessem separadamente, pois evitavam levantar qualquer suspeita, visto a bisbilhotice e os comentários serem muitos… Assim afastavam qualquer poeira que quisesse poisar sobre elas, ou ao redor das respectivas famílias e pessoas mais próximas.
   Sofia morava num pequeno quarto, apenas com uma janela entre as duas camas, uma das quais improvisada para Filipa. Dessa janela, que ficava no terceiro de um prédio de quatro andares, podiam contemplar o tempo, apreciar o trânsito da grande cidade e o jardim que se encontrava ao fundo da rua sempre muito frequentado, visto ser o único do bairro. Também ficavam horas a conversarem frente à janela sobre as coisas mais banais da vida. Também existia um biombo “rosa” a separar as camas dando-lhes assim um pouco mais privacidade.
   Embora no princípio Filipa tenha estranhado um pouco o envolvimento entre ambas, nunca pressentiu nada de mais “íntimo” por trás do biombo rosa…
    O respeito, a cumplicidade e o carinho que nutriam especialmente uma pela outra, era evidente aos olhos de quem as soubesse compreender. Ana ficou só duas noites a dormir na cama com Sofia, duas noites em que Filipa necessitou de trabalhar até mais tarde.
   Filipa não se sentiu minimamente chocada, quando as surpreendeu nos braços uma da outra. Antes pelo contrário Sofia ficou embaraçada ao tentar explicar-lhe o sucedido. Não lhe saiu outra explicação mais adequada senão a verdadeira, o sentimento de se amarem incondicionalmente, e confirmaram o que Filipa já tinha desconfiado.
   - Não me deves satisfações, o quarto é teu, a vida é vossa e além disso tens o direito de trazer quem quiseres, quando quiseres, és livre não és?...
   Sofia olhou fixamente para Filipa quando esta acabou de comentar a situação, e com uma expressão de contentamento disse:
   - Ainda bem que me compreendes!
   - O importante é sermos felizes, e vice-versa, sem prejudicar ninguém, é claro, e o nosso maior valor vem do coração! Esta foi sempre e será a minha opinião…
   - Obrigada por seres uma verdadeira amiga, e por pensares dessa maneira! É óptimo! A maioria das pessoas não percebe, ou não querem entender! O que torna este assunto num tabu muito mais problemático.
   - Mas eu estou aqui e entendo-te.
   Fez uma pausa, e para a deixar mais tranquila continuou…
   - Ninguém vem ao mundo para julgar nem criticar os outros… por isso… não te preocupes!... Deixa os outros pensarem o que quiserem, e sê feliz…
 



   - A diferença e a indiferença alternam-se constantemente em nossas vidas, e vice-versa, o que importa são os sentimentos sinceros de cada ser humano de forma a construirmos a felicidade, que é a principal cúmplice da nossa vivência. - Dizia Filipa…
   - Sentiste que tinhas o direito de fazer um aborto legal? - Perguntou Francisca com o ar indignado! Ao qual Filipa respondeu.
   - Tinha direito, sim! Estava no início da doença,  não se vislumbrava nenhuma prova visível ou palpável, dia após dia o tempo passava. Com o intuito de encontrarem um argumento concreto para poder ter direito ao aborto fizeram-me vários exames, e eu, sentindo as semanas a passarem, resolvi, por esse motivo optar pelo aborto…
   - Que injustiça! Eu também abortei… mas num momento de desespero. – Disse Helena com uma expressão de arrependimento e sentimento de culpa.
   - Eu felizmente não, mas ainda estou viva, portanto não sei o que me espera o dia de amanhã… e se me acontecer… paciência, será porque não tenho outra opção… acho que ninguém faz isso propositadamente… a mulher tem o direito de escolha!
    - E além disso, acho que só a partir dos três meses se começa a formar o feto, acho que só depois dessa altura se pode considerar “crime”, como muita gente diz…

  - Também acho! Claro que tudo tem o seu limite, mas cada pessoa é livre de fazer com o seu corpo o que bem entender - Respondeu Filipa.

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