sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O PERFEITO DO IMPERFEITO (7ª PARTE)

                  CAPITULO QUATRO


                     


   Helena tinha completado os dez anos de idade no dia anterior, ninguém se apercebeu como era costume, pois foi mais um dia despercebido, comum e igual a todos os restantes. Foi mais uma data alheia, passada em vão, como muitas outras, ignorando o que para Helena tinha um enorme e valioso significado.
   Não era costume, nem nunca foi sequer acostumada a receber algo no seu aniversário.
   Sendo, para Helena, uma data de máxima importância, sabia que era mais um ano, sem interesse, deixado para trás, desperdiçado com as sobras da criança que foi… e ainda era…
   Helena ansiava sempre pelo ano seguinte, pois estava ciente de que era mais um pequeno passo em direcção ao tornar-se mulher, contendo cada vez mais um sinal de amadurecimento e de sabedoria.

  Desejava ansiosamente sair da sua concha, rumo à adolescência tão pretendida. Ambicionava secretamente satisfazer os poucos objectivos já imaginados. Queria penetrar lentamente nesse novo universo interessante e completamente desconhecido.
   A impaciência perante esse novo mundo reinava, esses momentos seriam únicos de tão belos. Imaginava como seria ser e descobrir a mulher perfeita, a mulher ideal. Tentava construir já o seu amanhã ilusório.
   Vivia-o exactamente como qualquer criança entrando no mundo da adolescência. Sabia o quanto foi e era difícil ainda lidar com a privação de tudo, simplesmente porque a vida mantinha-se bastante problemática a todos os níveis e em todos os sentidos.
   Mas, aprendeu, principalmente, a cativar a enorme beleza da vida. Aquela que é incluída e reflectida exactamente em todas as pequenas coisas que nós fazemos com ela e para ela, ou melhor, para nós através dela. Porque, por mais insignificante que possa parecer aos olhos de uns, são estas pequenas coisas que se tornam importantíssimas para outros. Talvez porque o verdadeiro valor da vida é invisível. Talvez por ele ser tão grande se torna inalcançável à visão. Ou simplesmente porque talvez não exista, e por isso não se vê.
   Não importa, qualquer que seja a verdade exacta, Helena estava convencidíssima que havia um valor inatingível. E seria algo tão grande e tão belo que se tornava inalcançável por tudo e para todos.
   Não seria a única a sonhar com o futuro, nem foi sequer a única a atingir essa idade. Mas foi a única a receber o presente tão desejado e ambicionado durante os tenros anos da sua infância.
   Tinha consciência das dificuldades dessa época visto que as sentia na pele, e sabia ver o quanto era complicado a orientação do dia a dia, tudo isto absorvido pelos olhos da criança nela habitada, e sentido exactamente como ela era, em ponto pequeno. Justamente por isso evitava despertar a ambição.



    Quando ao saio quarto, se deparou com o seu pai, caminhando lentamente ao seu encontro, com maneiras desorientadas e carinhosas “por ser a primeira vez a satisfazer tal desejo”, aproximou-se com um lindo sorriso “de orelha a orelha” repleto de encanto e satisfação, com as mãos atrás das costas e uma expressão bem alegre! Denunciava esconder algo!
    Notava-se suficientemente bem o volume da grande caixa, (destapada, pois não havia dinheiro para comprar papel de embrulho). Tentava a todo o custo manter a surpresa anónima. Mas a maneira de se movimentar despertava a curiosidade nela existente.
   O coração de Helena saltava de tanto euforismo… palpitava de tão cheio de apetite pela oportunidade que a vida lhe oferecia… ansiava por algo desconhecido mas ao mesmo tempo bastante pretendido… então cheio de orgulho disse:
    - Tenho uma surpresa para ti, sei que vais gostar muito, aliás tenho a certeza! Mas não me foi possível consegui-la mais cedo, mais vale tarde do que nunca, não é?
    E estendendo-lhe as mãos com a caixa, continuou…
    -Quero dizer-te também que sinto um grande amor por ti e sinto-me muito orgulhoso em ter-te como filha… Quero desejar-te muitas felicidades, que Deus não se esqueça de ti nem te faça seguir pelo mesmo caminho que eu…
   Dizendo isto, uma lágrima de felicidade quis fazer-se mostrar no canto do olho de Helena, respiraram os dois fundo e ele continuou…
   -Só com a força de viver, consegui superar o medo e o desgosto deste caminho tão difícil e por vezes indesejado. Mas que graças a ti se tornou muito enriquecedor. Que Deus te abençoe, minha filha…
   Ao ouvir aquelas palavras tão ricas e lindas, Helena transbordou de alegria e orgulho, ficou tão contente e comovida, que não encontrou espaço onde semear palavras semelhantes.
    -Eu também pai… Obrigada… por tudo. Foi unicamente o que conseguiu lançar pela boca fora, porque o restante ficou entalado na garganta. Só encontrou forças na vontade curiosíssima de pegar na enorme caixa e acabar de abrir.
   Depositou naquele momento toda a emoção existente nela. Ao ver o que continha ficou tão feliz e dando pulos de contentamento explodiu de alegria,
   Com um forte abraço procurou retribuir-lhe um pouco da satisfação que a contagiava. Sendo de uma pessoa tão querida, aquelas palavras ficariam para sempre gravadas no seu pequeno mundo. Tatuando o seu coração, sua vida e sua alma, eternamente.
    Aquecendo o mais gélido, pequenino e simples grão de sentimentos, que teimavam em arrefecer ou mesmo apagar algum pedaço de resistência, onde tentava germinar a força do seu optimismo, e dos sinais de valentia, existentes na sua vida, ainda tão verde.

    Por vezes o pessimismo e o medo transformavam-se em egoísmo, querendo sorrateiramente mostrar as suas garras maldosas, e somente assim conseguir ultrapassar ou até mesmo atropelar, os pensamentos mais frágeis e mais belos impedindo-os de amadurecer.
   Interditando o nascer e pouco a pouco germinar o princípio dos melhores pensamentos desta caminhada, nesta tão ambiciosa e desejada vida. Mas apesar das dificuldades existentes a valentia prosseguia sempre à frente evitando esse contágio indesejável.
    Seus olhos verdes brilhavam de tanta felicidade e humildade ao denunciarem o desespero alegremente contido. As lágrimas de ansiedade teimavam sair pelos cortinados nublados dos seus olhos humedecendo de alegria qualquer traço lá marcado.
   Era tanto o euforismo, o contentamento, e a emoção sentidos por Helena que… não sabia se havia de chorar… ou se havia de rir… era tanta a alegria, a indecisão e a felicidade… Seria só um sonho? Ela não sabia, custava-lhe muito acreditar… era bom demais… se fosse um sonho… recusava-se a despertar!..

    Era uma boneca, aquela que sempre ambicionou… aquela que sempre idealizou… mas que também sempre pensou ser impossível concretizar… pois era só um sonho… e os sonhos não se realizam. Principalmente naquele canto do mundo onde só em sonho é possível alcançar todos os desejos.
   Mas agora era real, de olhos bem abertos ela tinha aquela maravilhosa visão. Será que o sonho de tão intenso saiu da ficção e entrou para a realidade? Após tanto tempo de espera a recompensa chegava, ela permanecia à sua frente e pertencia-lhe inteiramente.
   Era linda e quase tão grande quanto ela. Possuía uns cabelos sedosos cor de cenoura ondulados, pela cintura cheirando optimamente bem. Umas pestanas negras e enormes contornavam uns belíssimos olhos cor de carvão pintados com a cor da moda, um azul céu muito bonito. E, para completar essa beleza facial, uns lábios carnudos, cor de sangue, e entreabertos davam a impressão de querer falar com Helena.
   Vestia umas roupas bastante modernas ficando-lhe lindamente bem. Um vestido cheio de folhos cor de laranja e dourado que descia até ao joelho. Tinha uma fita enrolada na cabeça a condizer com o restante, a fazer sobressair os lindos cabelos que lhe caíam pelas costas.
    Quando a tomou nos braços com toda a delicadeza e ternura, sorriu-lhe de encantamento, parecia-lhe um autêntico bebé, com uma expressão repleta de tranquilidade… Sempre que se deitava com ela, fechava os olhos fingindo dormir. Nela encontrava um abrigo cheio de paz e sossego, o tal que só existe na ingenuidade.
   Tornou-se na sua principal confidente e considerava-a a sua irmã mais nova… Aquela que nunca teve a sorte ou o azar de conhecer pois a sua mãe perdera o bebé.

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