sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O PERFEITO DO IMPERFEITO 8ª parte

Aqui publico mais uma parte do meu livro, como prometido.



   Aos quarenta e três anos, a idade da mãe quando Helena lhe bateu à porta, esta foi recebida instantaneamente, como sendo a boneca da casa. Quis entrar fazendo-se convidada. Veio conhecer duas irmãs com vinte e dezoito anos, ambas prestes a casar, a Armanda e a Alexandra respectivamente.
   Aprendeu a valorizar e aproveitar a simplicidade da vida, a ver, a sentir, a ouvir e principalmente a dar voz ao próprio coração, pois as dificuldades e necessidades ensinaram-lhe a cultivar a paz e ternura dentro dela.
   Construía pontes em vez de muros, semeava uma simples flor no meio das ervas daninhas onde pouco a pouco fazia nascer um jardim, e aprendia a dividir a sua beleza, encanto e fragilidade. Conservava e multiplicava o valor das coisas simples da vida. Sabia e estava consciente que a perseverança era a maior das virtudes.
    A principal conclusão a que Helena chegava pouco a pouco, era a de jamais renunciar. Porque o mistério consiste exactamente em nunca desistir… nunca desmotivar…
 
 Partilhava com a sua linda “menina”, todos os seus medos e emoções. Baptizando-a com o nome de Joana contava-lhe todas as amarguras e alegrias, chegando ao ponto de lhe pedir conselhos, mas ela nada dizia.
   Talvez fosse essa a razão principal, de a considerar a sua amiga mais íntima e de maior confiança. Justamente porque não existiam sentimentos negativos, mas infelizmente também nada de positivo. O que não era o mais importante, pois Helena possuía sentimentos bons, o que segundo ela eram suficientemente bons para as duas.
    Fazendo de conta e agindo sempre como se fosse na realidade um ser humano mais novo que estivesse ali a ouvi-la sempre, a imitá-la em silêncio, e… sentindo-se constantemente observada… Transmitia-lhe uma tal doçura, bela e especialíssima que Helena adorava receber, mas ela também queria saborear o gosto do inverso…
   Embora Helena continuasse a sustentar a mesma criança, que naturalmente ainda existia dentro de si, e soubesse perfeitamente bem ser o centro das atenções. Já conseguia perceber o silêncio do seu coração, que lhe transmitia … se receber era acordo, oferecer era partilha… o que era optimamente bom, pois ela desejava partilhar porque, “só da partilha nasce o verdadeiro amor, o tal, que quanto mais se divide… mais cresce”…

    Era com a sua Joaninha, (como ela lhe chamava) que passava a grande parte do tempo. Fazendo-lhe penteados para ela ficar ainda mais bonita. Imitando os que sua mãe lhe fazia enquanto desfrutava ela também dos longos cabelos que possuía desde que se conhecia.

   Passados alguns meses, foi com uma tristeza medonha que se sentiu na obrigação de ceder ao desgosto… depois de ter apanhado uma carga de “piolhos e lêndeas”, sendo a coisa mais comum nas escolas, sem saber o porquê nem como, pois ela também foi vitima desse martírio. Sabia unicamente que era super contagioso e fazia uma tremenda comichão.
   Por volta dos anos setenta, numa aldeia perto do fim do mundo… Helena contemplava com grande tristeza, e com os olhos humedecidos, a pesada certeza desenrolando-se diante dela… Sentada numa cadeira, na varanda de sua casa em frente ao pequeno espelho, contemplava caírem em redor, os pedaços do seu cabelo.
   Helena despedia-se em silêncio desse breve momento sendo apenas seu, desejava parar o tempo e fugir dali com aqueles pedaços de cabelos igualmente seus. Helena sabia que era apenas mais uma página virada do livro da vida. Sendo um grande desgosto para ela, com as lágrimas a rolarem-lhe pelo rosto cada vez que sentia sem ver, o ruído da tesoura vinda das mãos de seu pai esconder-se nos seus queridos cabelos, e assim fazer cair mais um bocado. Cada tesourada sentida na sua cabeça ficara também enterrada no fundo da alma. Permanecia assim encravada no seu lado mais privado e mais reservado de sua existência.
   Pois chorar era a única maneira encontrada de libertar os seus medos, receios e até pensamentos positivos. Porque só assim, lhe era possível encontrar uma única solução, libertando-a de tudo o que pudesse existir nos seus sentimentos. Portanto só assim ficaria mais leve e mais forte para encarar o futuro, só assim Helena ficava a saber que por vezes o dar era “ necessário e quase obrigatório”, só sendo válido fazendo a vontade ao coração.
    Ela fazia por inverter a situação “em pensamento” como se oferecesse a única coisa, o único tesouro, pertencendo-lhe realmente. Então Helena questionava-se tentando perceber o porquê destas decepções, que estavam completamente envolvidas de ingenuidade. No fundo tentava simplesmente encontrar uma solução viável ou uma desculpa. Sentia as lágrimas soltarem-se cada vez com menos intensidade e tentava a qualquer custo controlar o choro cada vez menor.
   Desejava e esforçava-se por não chorar a cada vez que seu pai, ou outra pessoa qualquer “que passava na rua e ficava a observar” tentavam acalmá-la, dizendo-lhe o que ela já estava farta de saber:
  - “ Os seus lindos cabelos voltariam a crescer,” e rapidamente tudo voltaria à normalidade. Mas para Helena isso não bastava, porque o que ela queria simplesmente era o presente, e não o futuro.
   De repente ganha coragem, e olha fixamente para a imagem que aparecia à sua frente, e evitando ceder a vontade do pessimismo diz…
   - Uma árvore depenada. Comenta Helena baixinho, para simplesmente evitar de continuar a ser, o que exactamente foi até agora. “O alvo das atenções”.
   Estando o Outono ainda a arrumar a casa para se instalar e acolher dias mais frios, sentiu nesse instante, um arrepio unicamente ao pensar na falta que os longos cabelos lhe fariam ao cobrir o pescoço nu.
   Todos os olhares continuavam fixos nela. E o olhar dela fixo na imagem que aparecia à sua frente, e continuava a não gostar. Insistindo na visão percebeu que não tinha outra alternativa, mas unicamente uma escolha.
    A de se aceitar. A tal, a que se via na obrigação de acolher de qualquer maneira. A única opção, e olhando bem, até que não era assim tão desagradável. Não ficava nem melhor nem pior somente diferente.
    Rosto destapado, sentindo-se nua e ao mesmo tempo mais pesada. Pois sentia-se envergonhada e tímida. A diferença reinava embora igual. Os olhos grandes e verdes, cara perfeita com duas covinhas… lábios sorridentes destapavam os dentes brancos… e até as orelhas pequeninas mostrava.
   Olhou para o chão e viu o cabelo lá espalhado, depois outra vez para a imagem reflectida no espelho, e deparou-se só com algumas raízes quase louras, que insistiam em sair do casulo completando assim o espectáculo. O resto do meu pertence, pensou ela.
   Sentiu-se repentinamente mais madura, mais segura de si e principalmente mais forte e decidida. Sim ela adoptaria aquela imagem, o novo visual não era assim tão mau. A sua nova figura seria a melhor amiga.
   De “cabeça lavada” levantou-se e mirou-se de novo, de lado, por trás, pela frente… e concordou com ela própria fazendo um sinal de aprovação. Ela deu-se conta do seu crescimento a todos os níveis, principalmente agora de cabeça ao leu, viu o quanto cresceu.
   Toda a gente ficou admirada com a aceitação repentina, mas também contente, pois ela estava linda… não mais nem menos do que antes, somente diferente…
   -Estás tão gira! Dizia-lhe a vizinha. Será que era mesmo verdade ou era somente um elogio deixando-a mais optimista? Também isso era o menos importante. O certo mesmo é que ela estava realmente linda.
   -Ninguém te vai conhecer fica-te tão bem… diziam-lhe outras vozes conhecidas.
   O que para além de não ser mentira, deixava-a mais confiante e poderosa.
   E era mesmo verdade, essa diferença ficava-lhe lindamente bem… ela só tinha que se mentalizar a aceitar a mudança. E saber que tudo muda.
   Nada fica parado nem igual, e a aceitação é o grande passo e companheiro para acolher a diferença. Muitas vezes repentina e inesperada.
    Mas a mudança faz parte do amadurecimento constante da vida e de tudo o que a inclui, e é incluído por ela. E saber que nada é em vão, em tudo existe um porquê. Daí abrigar e aceitar simplesmente a diferença.
   Começada por ela própria, para saber respeitar tudo o que vem a seguir…, tudo o que a inclui e é incluído por ela…


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